DA REDAÇÃO: Ocupação de escolas. Um assunto que hoje divide a sociedade. O Seguinte: republica reportagem feita em ocupação de Gravataí em maio.
Não é pela greve dos professores, como não foram por 20 centavos as manifestações que levaram milhões às ruas do país em 2013. A ocupação dos estudantes na escola estadual Heitor Villa-Lobos, na Cohab C, a primeira em Gravataí, como deve acontecer no Ciep da Morada do Vale e em mais de 70 escolas no Rio Grande do Sul e outras tantas Brasil afora, é um grito dessas crianças pelo futuro do país, pelas liberdades, contra o racismo, contra a homofobia, contra o golpe, e é pelo ProUni, pelo Pronatec, pelo Enem…
– Faltaram as baleias – pode ironizar um reacionário de plantão.
Pois, no momento em que você lê essa matéria, o Lucas Kirschke da Rocha, numa das tantas aulas públicas que estão acontecendo na ocupação, prepara hambúrgueres veganos para a galera e diz que “nunca é feio ficar do lado da vida, seja dos homens ou dos animais”.
Ideologias, ou filosofias de vida à parte, a ocupação é também por coisas que só esses jovens, que tem em média 17 anos, testemunham no dia a dia: falta de professores, professores de Ciências dando aula de Religião (existe ainda aula de Religião?!?), laboratórios fechados, computadores estragados e sem uso, goteiras, infiltrações e, calcule você em casa, 33 centavos por dia para preparar a merenda de cada um dos, na Heitor, 1.200 alunos.
: Luiz, um líder que pede para o jornalista escrever que sem a participação de todos não há movimento
Um veterano de 15 anos
Abrindo o cadeado do portão para o SEGUINTE: na manhã desta quinta-feira estava o Luiz Henrique Aquino, de apenas 15 anos, mas ‘veterano’ nos movimentos sociais.
– Eu estaria ajudando outra ocupação – é a resposta que dá o morador do bairro e aluno da escola desde a primeira série, quando perguntado sobre o que estaria fazendo se não estivesse ali.
Na bagagem o guri falante (e com conteúdo) tem a participação, em Brasília, como um dos 13 representantes adolescentes de todo Brasil na Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
– Eu acho que se a gente não participa da política não consegue mudar as coisas. É mais fácil só falar mal e não fazer nada – ensina o menino a quem o pai deu força, e a mãe também (apesar de apavorada, ao ver de Santa Catarina o filho dando entrevista para redes de TV).
Pai e mãe de Luiz, Fabiano e Samanta, nomes que denunciam também a condição de jovens, como outros pais de alunos ocupantes receiam pela exposição dos filhos a ação de bandidos durante a madrugada, mas temem também a polícia, já que sabem que seus meninos e meninas ocupam uma escola da periferia, vestindo bonés, toucas e moletons surrados, e não estão (blindados) enrolados em bandeiras do Brasil no Parcão de Porto Alegre.
: Carol, no dormitório na sala dos professores, se formou mas ainda briga para melhorar a escola da irmã
Aqui temos mulheres, negros e gays
Na ocupação dos estudantes há espaço para negros, gays e mulheres, aqueles que, querendo ou não, vivem em uma revolução permanente.
– Temos mais meninas que meninos aqui – vibra Luiz Henrique.
Uma delas é Carolina Nunes Esteves, 18 anos, que se formou na Heitor e veio trazer a vivência de longos (para eles) quatro anos de movimento social.
– Participei das manifestações pelo passe livre, em Porto Alegre e em Gravataí. E não deixei mais de lutar – orgulha-se a guria, que não para quieta e tem olhos que brilham ao falar do movimento e do que sonha para o futuro da irmã, Julia, de 13 anos, que estuda na escola, da mãe, Denise, que estudava ali, parou ao ficar grávida e depois voltou, e do pai Cristiano, ex-aluno do Ponche Verde, que fica ali pertinho, no São Geraldo.
– As mulheres lutaram tanto e aí a gente vê um Ministério sem participação feminina.
– E esse Temer ridículo, dizendo que a mulher dele pode estar no governo porque é advogada, quando nem tem carteira da OAB. Vai ver ele nem sabe da vida da companheira – ironiza Carol, trazendo uma informação que o jornalista nem sabia.
: Vanderson e Richard estão no grupo que tem funções definidas na ocupação e preserva e cuida da escola
10 para os ‘reprovados’
Essa piazada vai dormir de novo na escola, com colchões e cobertores que trouxeram de casa ou emprestados, fazendo ‘ronda da segurança’ em dois rádios comunicadores, que na manhã de ontem eram operados pelo Vanderson Pedroso (15) e pelo Richard Souza (16). Adolescentes, vão amanhecer a noite conversando e rindo, como fizeram de terça para quarta-feira, sem deixar dormir o colega Diego, que não lembravam o sobrenome, mas que foi pioneiro na ocupação, chegou vestindo a roupa da firma e, às 5h da manhã, foi pegar o ônibus para mais um dia de trabalho.
– Bah, tem uns professores que furam a greve mas dão 20 minutos de aula e liberam os alunos. É só para bater o ponto – surpreende-se um aluno, levando para a vida um exemplo entre as tantas corrupções cotidianas jogadas na cara dos jovens.
Aprovação esses alunos ocupantes também não terão de boa parte da comunidade. Na frente da escola, Leonara Bernardes de Oliveira, ao identificar no jornalista do SEGUINTE: o mais velho da quadra, perguntou se teria aula.
– Os alunos estão no comando. Pergunte a eles – orientei.
A mãe ouviu respeitosamente os adolescentes.
– Se é para melhorar a escola, eu apoio – disse, indo embora, sorrindo, carregando a filha Milene, de 8 anos, estudante da 3ª série, linda em suas sardas, encantada com tudo aquilo que via.
Dolorosamente, a compreensão daquela mãe surpreendeu as crianças da ocupação:
– Não são todos os pais que são assim. Hoje pela manhã nos xingaram e ameaçaram baixar o Morro do Coco para nos pegar. Mas estamos aqui por nossa escola e pelos filhos deles… – não entendia um dos adolescentes ocupantes, ainda acreditando que nós nos preocupamos com os outros.
: Leonara (abraçada pela Milene) deu apoio a luta dos estudantes
Dizer o quê?
A diretora Rosane Melo estava em frente à escola quando o SEGUINTE: chegou e o comando de ocupação permitiu a entrada da reportagem. Não ouvimos a professora (notória militante dos movimento sociais), e também não ouvimos o 22º Núcleo do Cpers e nem a direção da 28ª Coordenadoria de "chama, chama, chama e ninguém atende" Educação, porque nessa reportagem os protagonistas são os alunos.
: Luiz Henrique, líder do movimento de ocupação da Heitor, fala no pátio