Hoje, deixo os filmes de lado e escrevo sobre poesia. Sobre a poesia do Manoel de Barros (Poesia Completa, Ed. Leya Casa da Palavra), falecido em 2014. Ele deixou uma obra importante e a recomendação para que guardemos nossos instrumentos de trabalho num baú. O conteúdo deste baú, cheio de utensílios aparentemente inúteis, foi descrito num poema, assim: “Guarda num velho baú seus instrumentos de trabalho/ 1 abridor de amanhecer/ 1 prego que farfalha/ 1 encolhedor de rios/1 esticador de horizontes”.
E assim a cada nova manhã retiro do baú os utensílios inventados pelo poeta. Primeiro o abridor de amanhecer que serve para abrir o dia e lembrar que o abridor será usado indefinidamente. E talvez para lembrar como também disse o poeta que “a gente nasce, cresce, amadurece, envelhece, morre. Pra não morrer, tem que amarrar o tempo no poste. Eis a ciência da poesia: amarrar o tempo no poste”.
Depois, com cuidado, pego o prego que farfalha. Vou ao dicionário e descubro que farfalha é um pedaço insignificante de qualquer coisa, coisas vãs ou sem importância; bagatelas. Guardo o prego, pois mesmo os objetos sem importância tem sua função. O que não importa são os sentimentos insignificantes que farfalham.
Com o encolhedor de rios nas mãos não consigo definir sua utilidade. Não consigo definir o que o poeta quis dizer, não consigo perceber a utilidade do utensílio inventado. Talvez não tenha querido dizer nada e o encolhedor não sirva para coisa alguma. Talvez tenha imaginado uma analogia entre o movimento incessante do rio e a vida. O encolhedor de rios seria a possibilidade de encolher nossos caminhos, pegar os atalhos, trilhar o que importa. Sinceramente não sei, desisto e guardo o encolhedor no baú.
Por último retiro o esticador de horizontes e olho pela janela o horizonte ao fundo. A esta hora não se pode distinguir nada em razão da neblina. Vejo apenas uma linha divisória. Com o alargador é possível ver muito além do horizonte e principalmente como disse Manoel: “Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que produza em nós”.