Os caminhos para os gigantes Estre e Solvi instalarem suas centrais de resíduos e termelétricas desenham-se tão longos quanto os zeros após a vírgula de seus investimentos em Glorinha e Viamão.
Nem a maior ‘lixeira’ da América Latina, nem a detentora do ‘monopólio’ dos aterros no Rio Grande do Sul tiveram seus pedidos de licença ambiental aprovados pela Fepam.
Ainda.
– O pedido da CRVR (subsidiária gaúcha do grupo Solvi) foi indeferido por hora, mas a empresa manifestou intenção de aprofundar os estudos. Já sobre o pedido da Estre, acabo de receber a informação de que foi negado por falta de documentação – informou a promotora Anelise Grehs Stifelman na tarde desta terça-feira (12/9), na reunião do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí que o Seguinte: acompanhou com exclusividade e ocupou quase todos os lugares da Câmara de de Vereadores de Santo Antônio da Patrulha com representações de órgãos ambientais, governo, ONGs e sociedade civil que atendem por nomes tão famosos como Paulo Muller, fundador da Associação de Preservação da Natureza do Vale do Gravataí, e Lucídio Goelzer, dono de um dos maiores empreendimentos de ecoturismo da região sul, a Quinta da Estância.
Responsável pelo setor de resolução de conflitos ambientais do Ministério Público gaúcho, Anelise Grehs é filha do renomado geólogo Sandor Grehs, um dos primeiros a alertar nos anos 80 que o projeto do Shopping Iguatemi provocaria reflexos – e alagamentos – quilômetros adiante em todo eixo norte de Porto Alegre e Cachoeirinha. Foi ela quem abriu o inquérito civil público onde o Ministério Público investiga o projeto em Viamão. Mesmo procedimento aberto nesta segunda pela promotora Caroline Barth na Comarca de Gravataí/Glorinha sobre o projeto da Estre.
– O Ministério Público terá uma posição técnica, nunca política ou econômica. Até porque, por mais necessários e urgentes que sejam as duas polêmicas, os moradores nunca querem aterros ou prisões em seus municípios – resumiu, citando dados de reportagem exclusiva publicada pelo Seguinte: na última sexta-feira, onde foi revelada a contagem regressiva para o fim da vida útil dos aterros em solo gaúcho.
Tempo que pode ser ainda mais curto com a adesão de cidades que ainda não tratam resíduos e têm um prazo limite de adequação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) até 2018 (sob o risco de sofrerem com cortes em repasses do governo federal), o que parece ter deflagrado a I Guerra do Lixo na Região Metropolitana entre holdings comandadas pelos bilionários Wilson Quintella Filho e Carlos Leal Villa.
Ouvindo envolvidos e analisando estudos técnicos há dois anos, desde que descobriu o silencioso projeto na ‘primeira capital’, Anelise alerta para a localização das três áreas indicadas pelo grupo Solvi/CRVR em Viamão.
– Preocupa ao Ministério Público porque ficam num raio de 10 quilômetros da área de proteção integral no Refúgio Silvestre Banhado dos Pacheco, onde ocorreram os últimos avistamentos de cervos do pantanal.
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A movimentação mais recente do grupo que na última década comprou outras empresas tradicionais do setor como a Sil e a Vega, e tem como associadas companhias do porte da Copelmi, foi montar uma equipe técnica com biólogos, engenheiros, sociólogos e geólogos para apresentar alternativas aos apontamentos feitos pela Fepam e o MP.
O ‘rei do lixo’ não atendeu as ligações da reportagem para informar os próximos passos da Estre dos 23 aterros no Brasil, Argentina e Colômbia, e que recém abriu o capital e listou ações a um valor de mercado inicial de 1,1 bilhão de dólares na bolsa norte-americana Nasdaq.
Na CRVR, nenhum retorno aos pedidos de entrevista desde a sexta passada.
A outra porteira
Um grupo técnico também foi criado dentro do Conselho Deliberativo da Área de Proteção Ambiental (APA) do Banhado Grande para analisar as três áreas compradas pelo Solvi em 100 hectares – mesmo ‘cem’ do que o grupo registra como ‘capital nacional’ em seus 30 aterros – nas Águas Claras, próximo ao pedágio da RS-040 e ao assentamento Filhos de Sepé.
E engana-se quem acha que o fórum é apenas um passatempo de ecochatos. A APA e suas 40 representações entre sociedade civil e governo têm, como diz o nome, caráter deliberativo. Ou seja, mesmo com a aprovação de órgãos ambientais como a Fepam, no Estado, ou a Secretaria de Meio Ambiente de Viamão, o comitê pode barrar o projeto.
– São locais acima das sub-bacias das unidades de conservação dos Pacheco e do Arroio Pesqueiro – alerta o engenheiro agrônomo Marthin Zang, coordenador do estudo que estabeleceu em 120 dias o prazo para entregar.
O mesmo conselho deliberativo da APA pode não aceitar a Estre em Glorinha – cidade que na reunião de hoje do Comitê da Bacia teve representações do ‘grupo do não’ à Estre, mas ninguém da Prefeitura presente.
Outro indicativo de que não será fácil a aprovação dos projetos é que o próprio anfitrião, o Comitê da Bacia do Gravataí, pode jogar chorume nos negócios: é que o órgão é o responsável por conceder a outorga para a destinação dos efluentes gerados pelos mega-empreendimentos.
– Neste momento, somos só animadores – despista, de seu jeito brincalhão, o presidente Sérgio Cardoso, querendo dizer que o Comitê traz o tema para um debate público além dos gabinetes e jatinhos.
Opinião
Talvez porque as sacolas de lixo que eu e você largamos na calçada todos os dias não possam ser varridas para sempre para baixo do tapete, uma analogia e uma frase que misturaram silêncios e aplausos mexeram com este jornalista. A promotora Anelise lamentou que nossas estruturas públicas e privadas não consigam reciclar presos, nem lixo. E o respeitadíssimo Paulo Muller citou Lutzemberger:
– Não adianta fazer a coisa certa no lugar errado.
Enfim, os caminhos são longos, os interesses políticos e econômicos são muitos, e como sempre difusos e nebulosos. Resta-nos, mesmo depois de assistir ao Jornal Nacional ou ler a Carta Capital, acreditar que os técnicos das estruturas de estado possam jogar luz em achismos, umbigos ou bolsos.
E dizer o que é certo ou errado.
Com o colapso do sistema, possivelmente a partir de 2020, para algum lugar o lixo dos gaúchos vai ter que ir. Ao melhor ou pior custo ambiental, inevitavelmente alguém vai ganhar dinheiro com isso.
Assista como foi