Daqui a pouco mais de um mês não vai ter festa, de novo, na virada do ano na casa da família da bailarina Alaíde da Silva Link. No lugar do réveillon e logo nos primeiros dias de 2018, dona Maria Regina da Silva, 63 anos completados dia 12 passado, vai novamente à Estrada do Mar, em Capão da Canoa e próximo do acesso à praia de Imbé, estender uma faixa clamando por justiça.
É a rotina que ela cumpre desde que perdeu a filha Alaíde em um trágico acidente naquela rodovia, às 7h30min do dia 1º de janeiro de 2012. A filha de Maria Regina e o motorista de táxi Ivo Ferrazo, então com 63 anos, foram as primeiras vítimas fatais nas estradas gaúchas naquele ano.
Alaíde, mãe de Miguel Arcanjo Linck, 13 anos, viajava em um automóvel Prisma rumo à casa de amigos para comemorar o 1º de janeiro. Ele e a promotora de eventos Carine Bueno Flores, hoje com 30 anos, haviam passado a noite em uma festa comemorando a chegada do ano novo.
A bailarina não bebia, segundo a mãe. E no dia do acidente, mesmo que tenham passado a noite em festa, não ingeriu bebida alcoólica segundo os laudos e conforme o testemunho de Carine. A mãe, Maria Regina, repete o que ouviu das autoridades e o que testemunho sempre que andava com a filha.
— Ela não corria, dirigia devagar e com cuidado, sempre. Quando aconteceu o acidente ela estava a 60 (quilômetros por hora) pelo que o delegado me disse. Ele garantiu que ela não estava correndo, e disse mais: se ela andasse mais ligeiro não estaria naquele lugar quando o outro carro causou essa tragédia — contou a mãe da bailarina quando conversou com a reportagem do Seguinte: nesta semana.
O acidente
O acidente teria sido causado por um veículo Vectra que trafegava em sentido contrário, em alta velocidade, conduzido pela modelo Tatiele da Silva Costa, que não tinha habilitação para conduzir veículo. Além disso, segundo Maria Regina, ela estaria embriagada.
A direção do Vectra teria sido entregue à Tatiele pelo suplente de vereador de Tramandaí à época, Paulo Afonso da Rosa Corrêa Júnior. Segundo a mãe de Alaíde, o veículo, na verdade, pertencia ao pai de Paulo Afonso. Ainda conforme ela, o carro estaria a 146 quilômetros por hora quando aconteceu a colisão.
Além de atingir o veículo em que estavam a bailarina Alaíde e Carine Flores, o Vectra bateu em cheio no carro Corsa do taxista Ivo Ferrazo, que morreu na hora. Tatiele, a motorista, e o suplente de vereador apontado como dono do carro, Paulo Afonso, chegaram a ser presos em flagrante, mas não permaneceram presos e responde ao processo em liberdade.
: Do Correio do Povo de 2012: O Vectra à esquerda, o Corsa ao centro e o Prisma de estava Alaíde, fora da pista
: De Ricardo Duarte – Agência RBS – o Prisma de Alaíde, em primeiro plano, e o Corsa do taxista Ivo Ferrazo
Os porta-retratos
Hoje Maria Regina da Silva quase não tem lágrimas para chorar a morte da filha. Na pequena sala da casa que fica na rua Madre Teresa de Calcutá, no Rincão da Madalena, vários porta-retratos têm fotografias da filha vitimada pelo acidente de trânsito quando tinha 28 anos.
Dois espelhos têm gravados a imagem de bailarinas, profissão que Alaíde amava e tinha abraçado para a vida, embora estivesse cursando o último ano da faculdade de Educação Física na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), campus de Gravataí. As últimas sapatilhas usadas pela filha têm lugar especial no móvel da sala.
Mãe de Fabiana, 45 anos – mãe de Caio, de 19 anos, a comerciária aposentada Maria Regina e o companheiro José Carlos Lima, motorista aposentado, se desdobram na criação do neto Miguel, filho de Alaíde, órfão também de pai. O menino tinha sete anos quando a mãe morreu. Ele estuda na 7ª série do Colégio Cenecista Nossa Senhora dos Anjos, o Gensa, e cursa inglês.
Ele conta que para o futuro planeja estudar mecatrônica, robótica, ou alguma coisa ligada a informática, quem sabe para trabalhar como desenvolvedor de jogos eletrônicos. De pouca conversa (pelo menos com a reportagem do Seguinte:), Miguel é classificado pela avó como o geniozinho da casa.
— Pode deixar que depois o Miguel descobre para a gente ver — disse Maria Regina, quase ao final da entrevista, sobre o endereço do site em que esta matéria seria publicada.
“O QUE EU ESPERO? JUSTIÇA! MUITA JUSTIÇA! É PRECISO QUE SEJA FEITA JUSTIÇA, PRINCIPALMENTE PORQUE O MEU NETO PRECISA E VAI PRECISAR MUITO. O MIGUEL TEM UMA VIDA PELA FRENTE, TEM OS ESTUDOS, E A GENTE JÁ ESTÁ NUMA IDADE QUE NÃO NOS PERMITE MUITAS COISAS, NEM AS CONDIÇÕES FINANCEIRAS SÃO AS MESMAS”.
Maria Regina da Silva, mãe de Alaíde da Silva Link.
Justiça lenta
A mãe de Alaíde, de corpo franzino, cabelos curtos e fala célere, se queixa da morosidade com que o caso está andando na esfera judicial. Segundo ela, até agora só foram realizadas duas audiências para ouvir o depoimento de testemunhas, mesmo já tendo se passado quase seis anos do acidente.
A explicação está no fato de ser grande o número de testemunhas arroladas pela defesa do casal acusado de ser o causador da tragédia. Maria Regina conta que os advogados dos réus chegaram a incluir na relação de testemunhas um nome de pessoa que não existe, situação agora equacionada.
— O problema é que a Justiça, no Brasil, é lenta. Mas eu não perco a esperança, quero ver eles pagarem pelo que fizeram — diz, lembrando que a Promotoria Pública está requerendo que os dois réus sejam submetidos a júri popular, classificando o acidente como doloso, ou seja, em que houve a clara intenção de matar.
Maria Regina não precisa pensar muito para responder sobre o que mudou na sua vida depois da tragédia que resultou na morte de Alaíde.
— Mudou tudo. Imagina uma mãe perder uma filha de 28 anos, em plena juventude e criando seu filho! Ela vivia para esse filho. Estudava e trabalhava e vivia para ele. De repente dois infelizes que saem para se matar e matar alguém, que é assim que eles estão sendo acusados, matam minha filha…
Conforme a mãe e avó, Alaíde era uma mãe dedicada que dava ao filho todo o lazer que podia, de acordo com as condições financeiras. Hoje, o casal de avós enfrenta um orçamento mensal apertado para manter a casa e custear os estudos de Miguel. E ela reclama que os acusados nunca custearam sequer um mês da escola de Miguel.
— Eles continuam seguindo a vida deles, de forma normal, indo às festas e curtindo. E nós, como é que ficamos?
“HOJE EU VIVO EM FUNÇÃO DO MIGUEL. EU SORRIO PORQUE TENHO QUE SORRIR, MAS NÃO SOU MAIS AQUELA PESSOA FELIZ QUE EU ERA, COM DUAS FILHAS MARAVILHOSAS E DOIS NETOS MARAVILHOSOS E COM UMA VIA TRANQUILA. POR ISSO CORRO ATRÁS DE JUSTIÇA. NINGUÉM VAI TRAZER MINHA FILHA DE VOLTA, MAS ELES PRECISAM PAGAR O QUE FIZERAM”.
Maria Regina da Silva.
A bailarina
Alaíde da Silva Link não era apenas a filha de Maria Regina e mãe de Miguel, mas uma bailarina esforçada que ingressou na Ballerina Escola de Danças, de Gravataí, aos 11 anos, quando a escola ainda tinha uma unidade no Parque dos Anjos. Desde então, cresceu e se desenvolveu no mundo da dança.
Por volta dos 12 ou 13 anos já fazia a função de monitora na escola de danças e em apenas dois anos depois já assumiu turmas e ensinava a dança sozinha. Quem descreve Alaíde como uma pessoa precocemente madura e responsável é a fundadora e proprietária da Ballerina há 36 anos, Rosângela Pereira.
— Hoje ela nos faz muita falta, com certeza. É uma falta imensa, como amiga e como profissional — diz Rosângela, lembrando que de 1996 até a tragédia que a vitimou, Alaíde participou de vários festivais no Rio Grande do Sul, conquistando inúmeras premiações.
E completa:
— Ela era uma pessoa sempre disposta e presente, com muita vontade de viver o máximo que pudesse viver. Por ironia acabou indo embora muito cedo — afirma Rosângela, lembrando que na Ballerina a ex-aluna e então professora Alaíde desenvolveu e praticava danças como ballet clássico, sapateado americano, jazz e dança do ventre.
Crime doloso
O advogado Renato Lima, de Gravataí, atua no caso representando a família de Alaíde e como assistente da acusação, ou seja, trabalha ao lado da Promotoria Pública. O profissional explica que a morosidade no trâmite processual se dá, basicamente, pelo grande número de testemunhas arroladas, de diversas comarcas.
Ele explica que defesa e acusação podem indicar até oito testemunhas para prestarem esclarecimentos sobre o caso na fase de instrução judicial do processo. E diz que sequer os acusados foram ouvidos na esfera do Judiciário, ainda, o que leva à dedução de que um desfecho definitivo ainda vai demorar muitos anos.
— Vai levar muito tempo, com certeza — diz o advogado.
Renato explica que já na decisão da Justiça por levar os dois acusados a júri popular, cabe recurso por parte da defesa de Tatiele da Costa e Paulo Afonso da Rosa Corrêa Júnior. Depois, se houver o júri popular e em caso de condenação, cabem recursos em segunda e terceira instâncias.
— Não tem como prever quando isso tudo vai terminar — destaca.
Renato Lima diz, convicto, que a tragédia que causou a morte da bailarina Alaíde da Silva Link e do taxista Ivo Ferrazo, deixando gravemente ferida Carine Flores que estava com a bailarina no carro, foi um crime doloso, em que os dois acusados assumiram o risco de matar.
— Por todas as peculiaridades que envolvem o crime, pela forma como aconteceu, por entregar o carro para uma pessoa não habilitada – os dois estavam completamente embriagados, não restam dúvidas de que assumiram o risco. E vamos trabalhar para que o caso não caia no ostracismo, não seja esquecido, e para que ambos sejam julgados num júri popular. Daí vamos ver como a sociedade de Capão da Canoa vai se comportar — comenta o advogado.
O outro lado
A reportagem do Seguinte: não conseguiu entrar em contato com os defensores de Tatiele da Silva Costa e Paulo Afonso da Rosa Corrêa Júnior, ambos atualmente com 32 anos.
Em reportagem publicada em dezembro passado pelo Jornal Zero Hora (clique aqui), consta que:
O QUE DIZ PAULO AFONSO DA ROSA CORRÊA JÚNIOR
Procurado por ZH, Paulo Corrêa informou que preferia não se manifestar sobre o caso. Limitou-se a dizer:
– Espero que as coisas se resolvam da maneira mais justa.
O QUE DIZ TATIELI DA SILVA COSTA
Um dos advogado de Tatieli, Ivan Florentino, sustenta que não foi realizado exame de alcoolemia para comprovar que sua cliente estava embriagada. Também afirma que não é possível determinar que a modelo tenha sido a responsável pelo acidente.
PARA SABER
: Atualmente, Tatiele, que dirigia o carro, está casada e reside em São Paulo.
: Paulo Afonso chegou a concorrer a vereador nas últimas eleições se identificando como Paulinho do Triângulo, uma referência ao nome do restaurante da família, mas não se elegeu.
Assista o vídeo abaixo com a entrevista de Maria Regina da Silva, a mãe da bailarina Alaíde, para o Seguinte:.