Em janeiro deste ano, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) viralizou em vídeo que acusava o governo de criar um “imposto do Pix”. A fake news, que atingiu milhões de brasileiros, ajudou o crime organizado, como mostrou nesta quinta-feira a Operação Carbono Oculto, que expôs a infiltração do PCC em estruturas da Faria Lima –– coração financeiro da América Latina.
A Instrução Normativa nº 2.219/2024, editada pela Receita Federal, não tinha nada a ver com tributação. Seu objetivo era técnico: ampliar o envio de informações sobre movimentações financeiras, incluindo Pix e outras operações digitais, acima de certos valores, para aprimorar o combate a fraudes e à lavagem de dinheiro.
Em resumo, pessoas físicas com movimentações acima de R$ 5 mil e empresas acima de R$ 15 mil poderiam ser rastreadas.
A narrativa criada por Nikole –– como se apresentou o parlamentar, em plenário, na polêmica da peruca –– provocou uma onda de desinformação que levou à revogação da normativa.
O recuo, motivado pelo medo do desgaste político, contrariou a equipe econômica e deixou lacunas graves na supervisão de fintechs e bancos digitais. Hoje, essas lacunas se mostram perigosamente evidentes.
A Operação Carbono Oculto revelou a infiltração do PCC em estruturas sofisticadas da Faria Lima, utilizando fundos de investimento, fintechs e arranjos de pagamento para lavar bilhões de reais provenientes do setor de combustíveis.
Foram identificados mais de 40 fundos sob influência da facção, com patrimônio estimado em mais de R$ 30 bilhões, e um ‘banco paralelo’ movimentando R$ 46 bilhões em compensações extrabancárias. A Operação Tank, realizada simultaneamente, também atingiu o mesmo eixo de lavagem.
O que conecta o vídeo de Nikolas Ferreira à megafraude do PCC é simples: a mesma desinformação que transformou uma medida de fiscalização em uma suposta “taxação do Pix” contribuiu para que o crime organizado encontrasse brechas para operar impunemente.
A Receita Federal admite que a ausência de informações sobre operações financeiras por meio de fintechs facilitou o esquema criminoso.
A experiência evidencia o poder destrutivo das fake news.
A narrativa de um “imposto do Pix” viralizou porque o tema era complexo, técnico e de difícil compreensão para o público leigo — exatamente o terreno fértil para as informações falsas. Pequenos empresários e trabalhadores autônomos foram tomados pelo pânico, e o governo, temendo o impacto político, cedeu.
Toda fake news se traveste em verossimilhança, carrega aquela aparência de verdadeiro, mas sem ser a verdade propriamente dita. Uma meia verdade — que sempre tem uma metade mais próxima da mentira — que facilitou que o crime organizado consolidasse operações bilionárias de lavagem de dinheiro no país.
É Dos Grandes Lances dos Piores Momentos que Nikolas tenha sido elogiado, inclusive na mídia corporativa, por sua ‘técnica’ de comunicação. País afora, políticos, de vereadores a governadores, começaram a imitar o formato. Resta exposto agora o conteúdo, mentiroso, que ajudou o PCC de lavar bilhões.
Ao fim, a jovem estrela extremista, para o bem do país e sua biografia, poderia aprender com Millôr: “Com muita sabedoria, estudando muito, pensando muito, procurando compreender tudo e todos, um homem consegue, depois de mais ou menos quarenta anos de vida, aprender a ficar calado”.