Com os olhos ainda meio fechados, timidez evidente, voz enrouquecida apesar da adolescência – por causa da noite festiva em família – e vestindo a camisa do Esporte Clube São José (de Porto Alegre) foi como apareceu na cozinha de casa, onde os pais preparavam o café, o mais novo campeão de futebol de Gravataí: Guilherme Leonardo Lee da Silva de Oliveira.
O garoto, que vai completar 15 anos em menos de um mês, 12 de fevereiro, conquistou com seu time o Mundialito Sub-15, disputado na Bolívia e com final jogada domingo passado contra o Club Millonarios, da Colômbia. O jogo terminou em dois a dois. O São José foi campeão porque, no saldo, tinha um gol de vantagem.
Guilherme é filho de Tiago Lee Rosa de Oliveira e Andréa da Silva e Silva, nasceu em Porto Alegre e mora em Gravataí desde os primeiros dias de vida. O começo – ele diz que joga desde os seis anos – foi chutando bolas nos campos de várzea do município, e depois foi para o futsal do Paladino Tênis Clube.
Autógrafos
A mãe, Andréa, emenda a conversa sobre desde quando Guilherme joga bola:
— Acho que desde que viu uma bola pela frente — diz, orgulhosa.
E conta uma história.
— Uma vez a tia disse que ele tinha que estudar, aprender a ler e escrever, e não apenas jogar bola.
Foi quando, segundo a mãe, ele respondeu:
— Mas eu já sei escrever meu nome para dar autógrafo!
: Guilherme, jogador do Zequinha de Porto Alegre, é campeão do Mundialito Sub-15 disputado na Bolívia
No Vieirão
Antes de ir para o São José o atleta “meio gravataiense” que já acumula 36 medalhas conquistadas passou cerca de seis meses treinando no Cerâmica Atlético Clube, de Gravataí. Como a época era de muito frio, precisava estar no campo muito cedo e ele tem bronquite asmática, a família resolveu levá-lo para o Paladino.
Ali, embora o clube ostente o tênis no nome, Guilherme nunca pegou numa raquete. Dos sete anos até o começo do ano passado ele se dedicou ao futsal. E é onde foi “descoberto” pelo professor Diogo Linhares, que o indicou ao São José, para o qual Guilherme se apresentou com mais uns 30 guris em fevereiro do ano passado.
Ele começou a treinar, e foi ficando. Treinando, e ficando, enquanto os outros guris eram dispensados, aos poucos. Ninguém lhe disse que iria ficar no Zequinha do Passo D’Areia, de forma oficial. Guilherme foi “se firmando” – como dizem os boleiros, a cada treinamento e a cada jogo que participava.
Pé direito
O gremista irmão do Rafael, de cinco anos, conta que joga como centroavante e que atua também como “extrema”. Traduzindo: um atacante pela esquerda, ou “ponta-esquerda” como eram chamados, os desta posição, antigamente. Isso que ele é destro! Traduzindo de novo: Chuta melhor com o pé direito. Ou só com o pé direito.
Pelo São José, o garoto já participou e botou medalhas de vice e de campeão no peito na Copa União, em Canoas; Campeonato Encosta da Serra, do qual só não participa a dupla Grêmio e Internacional; Copa Internacional de Paranavaí, no Paraná, e, agora, o Mundialito Sub-15 da Bolívia, seu primeiro jogo fora do Brasil.
— É considerado o maior e melhor campeonato dos times de base pela Fifa (Federação Internacional de Futebol). Pode procurar na internet que tu vai ver — completa Tiago Lee, o pai, dissimulando o peito estufado.
E completa:
— O São José é um dos melhores formadores de jogadores. Tanto que o Grêmio e Inter vêm pegar os guris da base do São José e levam pra profissionalizar no time deles.
: Jogador de Gravataí, Guilherme: na Bolívia (E) com o troféu e, em casa, com a medalha de campeão Sub-15
Arquitetura
Guilherme, camisa 11 do Zequinha, que pela primeira vez passou oito dias sozinho, longe dos pais, e vai cursar o primeiro ano do Ensino Médio na escola Barbosa Rodrigues, diz que quer mesmo é seguir a carreira de jogador. Embora um teste vocacional tivesse apontado para uma direção que ele admite gostar, a arquitetura.
Neste sentido, o pai, Tiago, diz que gostaria muito que o filho aprendesse inglês e fosse jogar futebol por uma universidade norte-americana para estudar e ser um arquiteto, no futuro. Mas admite e garante que a família apoia o gosto de Guilherme pelo futebol e que vai estar sempre ao lado do jovem.
Para que o filho alcance a meta de se tornar um jogador profissional, entretanto, o investimento é alto, segundo Tiago. A família tem que bancar transporte, academia, nutricionista e vários outros pequenos itens. É como se estivessem custeando uma faculdade para o garoto.
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A festa no aeroporto
Os gols da partida final
Rotina puxada
— Se ele tiver que ser um profissional, se é esse o destino dele, de fazer o que gosta, que seja! Mas ele sabe que tem que dar o máximo para chegar lá e, neste ano que passou ele me provou que, de fato, está se empenhando — conta o pai.
É que Guilherme, ou Gulherme Lee (ele é chamado destas duas formas enquanto jogador) especialmente, durante o ano letivo, tem uma rotina – digamos! – bem puxada. Ele acorda cedo, diariamente, para ir à aula. Quase todos os dias ele tem academia, treinamentos, e ainda os jogos que podem ser durante a semana ou aos sábados. Ou domingos.
— Há dias que às 9h já estou dormindo, de tão cansado — revela.
Por causa disso tudo, não sobra tempo sequer para namorar. E Guilherme garante que ainda não namorou e que nem tem pretendentes. O foco é o futebol e o estudo. Exatamente nesta ordem.
— Não. Não tenho namorada ainda — ri amarelado, olhando de canto para o pai, o adolescente que recém está entrando na fase da puberdade, com uns poucos pelos que teimam em surgir como barba e bigode.
E na Bolívia
Jogar um campeonato internacional serviu como uma experiência positiva para o jovem atleta. É que a forma de disputa e o esquema tático são diferentes. Sem contar que na maioria são jogadores mais parrudos e que abusam da truculência. Tanto que levou algumas joelhadas quando pulava para disputar uma bola na área adversária.
Mesmo assim, garante que gostou da experiência. No país anfitrião, a equipe do Zequinha ficou acomodada em um alojamento da Força Aérea Boliviana. Sobre a comida, Guilherme revela que imaginou um cardápio diferente e carregado na pimenta.
— Acho que eles quiseram imitar a comida brasileira para a gente não estranhar tanto. Só que eles não têm é feijão, mas todo dia tinha sopa e era uma comida típica, deles, mas bem parecida com a nossa — revela.
Abaixo, imagens da Bolívia e de Guilherme, de Gravataí:
E o money?
No São José ele ainda não ganha nada. A expectativa é de que, a partir deste ano, com 15 anos, passe a receber uma ajuda de custo.
O Mundialito
O Zequinha do técnico Rodrigo Santos da Silva disputou sete jogos pela 22ª edição do Mundialito Tahuichi Paz y Unidad, em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia.
Com três vitórias, três empates e apenas uma derrota, é o primeiro clube brasileiro a conquistar o título.
Maior campeão da competição, o anfitrião Academia Tahuichi tem oito conquistas do Mundialito e foi batido sem dó pelo Zequinha portoalegrense nas quartas de final.
O espanhol Real Madrid também participou assim como as seleções da Colômbia, Uruguai, Paraguai e Costa Rica, mais o Atlas (México) e Danúbio e Nacional (Uruguai).
A chegada da delegação campeã no Aeroporto Salgado Filho estava prevista para o começo da noite de ontem. O voo atrasou e eles chegaram por volta da meia noite.
A equipe
Os jogadores:
José Henrique de Oliveira, Pedro Henrique Palomino, Cristian Alexandre Andrade, Matheus Xavier Garcia, Ruggere de Oliveira, Philippe Jorgense dos Santos Corrêa, Vicenzo Moretti Pandolfo, David Alex Diniz dos Santos, Lucas Moura Martins, Alexandre de Almeira Bareta, Guilherme Leonardo Lee da Silva Oliveira, Gustavo Mendes, Joel Rodrigues, Luis Henrique Freitas, Leonardo Risso Guedes, Marcelo de Moura, Raul Leal, Gabriel da Rosa, Thomas Fagundes Oliveira fizeram parte da delegação vitoriosa.
O técnico Rodrigo Santos da Silva, com Eduardo Guly e Diego Bereta, integraram a Comissão Técnica do Esporte Clube São José.