RAFAEL MARTINELLI

Fórmula Fraport: capitalismo sem risco

Aeroporto Salgado Filho só deve abrir no fim do ano | Foto: Mauricio Tonetto / Secom

Associo-me ao artigo do Juremir Machado da Silva, publicado pelo Matinal Jornalismo. Sigamos no texto.

A fórmula está mais do que consagrada: privatizar os lucros, socializar os prejuízos. Toda vez que que os defensores ferrenhos das privatizações, mesmo sob a forma eufemística e provisória de concessões, defendem os seus fins, usam os mesmos meios: os serviços vão melhorar, investimentos importantes serão feitos e riscos ficarão com os concessionários. Na prática, é o melhor negócio do mundo para o privilegiado com a concessão: se tiver lucro extraordinário, embolsa e faz a festa; se houver prejuízo, renegocia, pede aditivo, passa a conta para o velho e detestado Estado, que salta de mínimo a máximo num lance de mágica e de oportunismo. Batismo: Fórmula Fraport.

A tal Fraport surgiu como a salvação do Salgado Filho. Chegou amparada na tríade de ouro das privatizações: modernização, eficiência e agilidade. Havia, porém, uma enchente no meio da pista de decolagem. Como a Fraport reagiu à inundação do seu ganha-pão, caviar e champanha? Do modo mais tradicional, ineficiente e lento possível. Nada fez para rapidamente esvaziar o aeroporto do aguaceiro. Só foi ágil na determinação de repassar a conta dos estragos para o Estado. Assim, cá entre nós, que não falamos mal de ninguém, é barbada: cruza os braços, contempla laconicamente as águas, não mete a mão no bolso nem nas contas no país-sede e espera que o Estado mande dinheiro para repor tudo em ordem e progresso. Em contrário, pode até ir embora.

Para que privatizar então? Para que conceder? Na hora mais difícil, todos querem um Estadão robusto que banque até os seus mais costumeiros críticos. Pede o agronegócio, pede o industrial, pede o setor de serviços, pede o concessionário, pede o grande, pede o médio, só o pequeno não sabe a quem pedir. Todos pedem ao Estado. Nesse andar, não é civil que salva civil, mas Estado pobre que salva civil rico e influente. A Fraport não teve o menor constrangimento em sinalizar o desejo de ter o seu parquinho reconstruído com dinheiro público para que possa obter seus lucros privados em condições normais de temperatura, pressão e volume. O capitalismo estilo Fraport mostra que não se trata de uma jabuticaba, fenômeno exclusivamente brasileiro, mas de uma marca estrutural do capitalismo globalizado.

A fórmula Fraport impressiona pela estultice, pela falta de pudor e pela incompetência. Eu imaginava que a Fraport teria bombas próprias para escoar a água, que faria chegar em tempo recorde equipamento da Alemanha para limpar a sua área e ainda ajudar Porto Alegre e o Rio Grande do Sul a sair do atoleiro. Imaginava a moderna Fraport na linha de frente, voando para todo lado, oferecendo expertise, apoio, meios, pareceres, tudo. Via manchetes nos jornais: Fraport salva o RS, Fraport larga na frente; Bombas da Fraport retiram a água do Quarto Distrito, Fraport limpa o Sarandi. O que eu vi? Isto: “Após demissão em massa, Fraport ainda quer renegociação em contrato de concessão após desastre no RS”; “Sem dinheiro do governo, Fraport pode entregar concessão do Salgado Filho”; “Leite pede que governo ajude concessionária do aeroporto Salgado Filho”. Que decepção!

Em bom gauchês, a Fraport gosta de mamar deitada.

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