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Goldman Sachs, o banco que governa o mundo

Donald Trump aperta a mão de Gary Cohn, que descreveu como um ‘gênio’ | Foto CHIP SOMODEVILLA

A instituição, fundada em 1869, colocou seus executivos tanto em Governos democratas como republicanos. O Seguinte: recomenda e reproduz a reportagem do El País

 

Do alto do quartel-general da Goldman Sachs, a vida lá embaixo parece uma maquete. Os carros, as obras e as pessoas adquirem dimensões liliputianas e o bulício fica mudo, como se tudo fosse a simulação um tanto defeituosa de uma cidade. Não há sequer um letreiro, dentro ou fora, que indique que você se encontra na sede deste famoso banco, no número 200 da rua West, no centro de Manhattan. O vestíbulo é enorme e austero, e as salas de andares mais altos são despojadas e sem excessos ou, talvez, sem outros excessos além das imponentes vistas da Estátua da Liberdade, do Empire State e de quase toda Nova York.

Onde acaba a calma, começam as entranhas do Goldman, nos pisos inferiores do edifício: seis andares de trading (corretagem de ações) do tamanho de um campo de futebol americano cada uma, onde fileiras de corretores de valores com telas triplas dão as ordens de compra e venda, movimentando dinheiro em ritmo industrial. Diferentemente do resto do edifício, os trajes ali são um pouco mais informais e as pessoas, mais jovens (70% da equipe global do banco são millennials). No próximo ano, cerca de 10% deles, os que tiverem a média anual pior, terão de deixar a empresa. E isso porque ali está o que há de melhor, segundo o banco gosta de ostentar: o índice de aproveitamento da Goldman é de 3%, menor do que o de Harvard.

Dizem que é o banco de investimento mais poderoso do planeta, que paga os melhores salários de Wall Street e sofre o maior índice de divórcios, que as jornadas de trabalho excedem a capacidade humana, que na crise financeira se deu bem enquanto os demais afundavam, que não há um canto da Terra onde não cheguem seus tentáculos, que nenhum Governo os ignora, que quem entra ali abraça um sacerdócio, que uma vez goldmaniano, goldmaniano para sempre. Dizem que o Goldman Sachs governa o mundo.

Em quase todos os Governos dos EUA, inclusive antes de começar o capitalismo moderno pós-Segunda Guerra Mundial, houve um goldmaniano nas esferas mais altas do poder público.

Donald Trump fez alusão a isso com frequência durante a campanha eleitoral norte-americana. Acusou Hillary Clinton, a candidata democrata, de ter-se “vendido” ao banco, do qual tinha cobrado valores suculentos como palestrante. Assegurou também que Ted Cruz, o senador texano com quem rivalizou nas primárias republicanas, estava sob seu controle. Em seu último vídeo de campanha, no mais puro estilo Occupy Wall Street, apontava os culpados pelo empobrecimento dos trabalhadores e, além de Clinton e ObamaGeorge Soros e o G-20, destacava Lloyd Blankfein, o primeiro executivo da entidade financeira.

Pouco antes de Trump tomar posse na presidência dos EUA, em meados de janeiro, alguns manifestantes se postaram diante da torre do Goldman Sachs com cartazes que diziam “Governo Sachs”. O presidente, depois de tudo, tinha colocado em posição chave de sua equipe um trio de goldmanianos.

Gary Cohn, número dois do grupo financeiro, será o chefe do Conselho Econômico da Casa Branca (previa uma indenização do banco de 124 milhões de dólares); Steve Mnuchin, conhecido investidor que passou 17 anos na casa, foi o escolhido como secretário do Tesouro (cargo equivalente a ministro da Economia) e o agitador direitista Steve Bannon, conselheiro de Trump e membro do Conselho de Segurança Nacional, também foi um homem do banco.

O grande poder na sombra, o titã, a grande lula-vampiro, o guardião de Wall Street… Poucas empresas no mundo têm tantos apelidos — e quase sempre tenebrosos — quanto o Goldman Sachs. Não é o maior banco (ocupa um discreto posto de trigésimo segundo na classificação por ativos) e disputa a liderança do banco de investimentos com o JPMorgan, mas ninguém aparece tanto em campanhas eleitorais de qualquer país ou nos cartazes de manifestações, de Madri a Nova York, passando por Atenas ou Londres. É comum ver banqueiros em postos de política econômica, mas o Goldman é o grande símbolo da influência do poder financeiro na política nos EUA.

– Trump precisava convencer os mercados de que não era louco; até pode ser, mas precisava convencê-los de que não, e a melhor forma de fazer isso é contratar o pessoal da Goldman – opina William D. Cohan, que passou 17 anos no banco de investimento e depois se tornou autor de vários livros sobre os meandros de Wall Street, um deles dedicado ao Goldman.

– Acredito que, até certo ponto, Trump gosta do fato de que todas essas pessoas do Goldman, que não faziam negócios com ele pelo tipo de cliente que é, estejam agora em seu Gabinete. Deve dizer ‘agora estão beijando minha mão, reclinando-se diante de mim… Que voltas o mundo dá – acrescenta.

O construtor nova-iorquino também escolheu Jay Clayton, que foi advogado da Goldman, como presidente da SEC (o ente supervisor da Bolsa de Nova York), e Dina Powell, da área de investimentos filantrópicos, como assessora da presidência. Há quem tenha escrito nesses primeiros dias de 2017 que o Goldman Sachs voltava a Washington. Mas alguma vez saiu? Há um século, Governos tanto conservadores como democratas abraçaram a fé da instituição fundada em 1869 por um judeu alemão chamado Marcus Goldman, que tinha chegado duas décadas antes aos Estados Unidos e começado como comerciante de roupa (Sachs é o sobrenome do genro com quem se associou).

Henry Goldman, filho do fundador, já assessorou a criação do Federal Reserve em 1913, na Segunda Guerra Mundial. Franklin Delano Roosevelt convocou o primeiro executivo do banco, Sidney J. Weinberg, para seu Conselho de Produção de Guerra. Weinberg, um dos personagens mais lendários do Goldman, conhecido como Mister Wall Street, colaborou também com os Governos de Eisenhower e Lyndon B. Johnson. John C. Whitehead, sócio e copresidente, foi subsecretário de Estado nos anos oitenta com Reagan, e Robert Rubin, também copresidente, foi chefe do Tesouro de ClintonGeorge Bush (filho) chamou o goldmaniano Stephen Friedman para o Conselho Econômico e Henry Paulson para o Tesouro. O presidente do Banco Central Europeu Mario Draghi também é da casa.

 

Um ato de serviço

 

Depois de muitas críticas, Blankfein, presidente do banco, descreveu o salto da instituição para a política como um ato de serviço à sociedade por parte de quem antes amealhou uma soma considerável de dinheiro trabalhando no banco.

– A maior parte tem entre 48 e 50 anos, e nessa fase já ganhou bastante”, disse em uma entrevista recente ao The New York Times, “e a expectativa é a de que se dedique à filantropia ou a servir a Administração”.

– É falsa a percepção de que saem de Washington e nos ajudam. O contrário é verdadeiro – disse Blankfein, perguntado quanto a uma possível conivência.

Quando se cruza a porta giratória em sentido inverso, no retorno à sociedade, é mais difícil de vislumbrar. Neste verão na Europa causou insatisfação a convocação de José Manuel Durão Barroso (presidente da Comissão Europeia entre 2004 e 2014, ou seja, durante a bolha e a crise financeira e da dívida) como presidente executivo de sua filial em Londres. Mario Monti e Romano Prodi também vieram do Goldman.

Depois da grande crise financeira, apareceram dois livros sobre o banco com títulos muito parecidos: O banco: como o Goldman Sachs dirige o mundo (2010), do belga Marc Roche, correspondente financeiro veterano, e Dinheiro e poder. Como o Goldman Sachs acabou governando o mundo (2011), de William Cohan. Um pouco antes, em 2009, a revista Rolling Stone lançou um longo e famoso artigo — que hoje se tornou uma referência da época — no qual se referia ao Goldman como: “Uma grande lula-vampiro agarrada ao rosto humano, incansavelmente lançando seu funil de sangue em qualquer coisa que cheire a dinheiro”.

 

Clima de opinião

 

Tudo isso é uma demonstração do clima de opinião em torno da instituição depois do debacle financeiro com toques de filme de suspense (sobre o qual, realmente, foram escritos vários thrillers). Nos late night shows, era comum ouvir piadas sobre o banco. E ainda por cima Blankfein não conseguiu dizer outra coisa, em uma entrevista de 2009, quando a sociedade norte-americana ainda estava abalada pela crise, que o banco estava fazendo “o trabalho de Deus”.

Pouco depois, a SEC multou-o em 550 milhões de dólares pela “distorção grave”: acreditou e vendeu um produto muito complicado (os então famosos CDOs) quando começava o setor imobiliário a cair sem contar que um de seus clientes (o investidor John Paulson) tinha participado da seleção e estruturação deles e que, enquanto os estavam vendendo, Paulson apostava na baixa contra esses valores. O baixo custo dessa multa foi interpretado como uma vitória. E há um ano chegou a um acordo extrajudicial para pagar 5 bilhões em ações judiciais por vender ativos de dívida afirmando que eram respaldados por hipotecas solventes quando sabiam que estavam a ponto de cair em falta de pagamento.

No imaginário popular, a Goldman encarna o símbolo dos excessos; no ideário menos profano, os méritos são um tanto mais compartilhados. A fatura do Bank of America, por exemplo, somou 16,6 bilhões de dólares em um acordo similar, enquanto o JPMorgan desembolsou 18 bilhões, além de outras penalizações por outras acusações.

Para Cohan, o Goldman é, mesmo assim, “uma instituição única, o banco mais respeitado do planeta”, enquanto Marc Roche, em seu livro, é implacável: relata seu papel na crise, destrincha as conexões políticas do grupo e detalha algumas operações que deram o alerta, como o assessoramento para a maquiagem das contas públicas da Grécia. Ambos concordam, porém, que há uma forte cultura de empresa na instituição, e também com a competitividade acirrada e o desprezo pelo estrelato individual. Roche fala de “monjes banqueiros” dispostos a sair em disparada da casa de saída do tabuleiro com “sangue frio suficiente” para ganhar.

Seis anos depois de publicar o livro, Marc Roche acredita que “o banco, em essência, não mudou, só o fez em questões cosméticas. Continuam sendo os melhores para contratar pessoal, os melhores em gestão de fortunas…” e continuam, acrescenta depois, “tendo essa rede de influência”.

Em 2010 criaram um comitê para revisar seus padrões e acordaram uma bateria de medidas para reforçar a transparência de suas gestões, o controle de seus produtos, os conflitos de interesses de seus agentes e dirigentes. Um funcionário do banco, contratado depois desse processo, afirma que o escrutínio é, pelo menos hoje, exaustivo.

 

Uma limpeza na imagem

 

O banco também mostra uma cara mais amável e deu alguns passos para combater sua reputação de guardador de segredos: há mais informações em sua página na internet, abriu-se para as redes sociais… Em abril passado, The New York Times publicou um longo artigo sob o título Um sócio gay e latino põe à prova a cultura tradicional do Goldman Sachs. Tratava-se de Martin Chávez, novo diretor financeiro, à frente de um projeto de software que dá aos clientes mais acesso a informações de negociação muito específicas que antes só estavam disponíveis para goldmanianos.

Um terço dos funcionários do Goldman em todo o mundo são engenheiros e a tecnologia, segundo a empresa, é a divisão mais importante do grupo. Investiram em novas companhias como a Symphony, uma plataforma de mensagens instantâneas, e a Kensho, outra base de dados, setores até agora dominados por Bloomberg e Thomson Reuters.

Os bancos gostam cada vez mais de se apresentar como empresas de tecnologia, e por trás desse afã há uma busca de eficiência nos processos. A regulamentação resultante de 2008 e as novas exigências de capital tornam mais difícil o negócio para todo o setor e a intermediação está em baixa. As receitas do banco são hoje 25% menores do que as de 2009, em parte pelas dificuldades de crescer e em parte pela venda de alguns negócios de volume. As decisões de corte de gastos nessa casa são tomadas com rapidez: este ano, em apenas seis meses, o banco fez ajustes em torno de 900 milhões de dólares.

– Em 2006, o Goldman tinha 33 bilhões em capital ordinário, em 2016 eram 76 bilhões, mais do que o dobro. Se você mais do que duplica o volume de capital que precisa ter, para conseguir o mesmo nível de retorno desse capital deve duplicar também a receita líquida, o que obviamente é quase impossível – explica Christian Bolu, do Credit Suisse, que há seis anos está na equipe que analisa o banco.

– Mas em ternos de ROE [retornos sobre equity] está melhor do que seus concorrentes – acrescenta.

 

Mais lucros

 

Os lucros do ano passado engordaram 22% em relação ao anterior (até 7,4 bilhões de dólares), enquanto as receitas se reduziram em 9% (até 30,6 bilhões de dólares). E o lucro por ação, que é o que interessa principalmente em Wall Street, disparou 34%. Desde a noite da eleição, as ações subiram 27% na Bolsa, graças à expectativa de menor regulação com o Governo Trump, entre outros fatores.

Depois da queda do Lehman Brothers, foi obrigado a se constituir como grupo bancário para poder ter acesso às rodadas de liquidez do Federal Reserve. Em outubro passado abriu uma plataforma online de créditos para o pequeno varejo, área ainda muito reduzida de negócio, sob o nome de Marcus (nome do fundador). O coração do banco continua sendo a intermediação de valores, o investimento.

Lloyd Blankfein não voltou a dizer que estão fazendo o trabalho de Deus. Mas há pouco tempo, em uma entrevista na CNN, deixou entrever que não estava muito distante disso.

– Morro de medo que que sejam cometidos erros em minha organização. E, sabe do que mais? O mundo quer que eu fique morrendo de medo – afirmou, como se o Goldman Sachs governasse o mundo.

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