RAFAEL MARTINELLI

Governo Cristian diz que não sabia de desmatamento no Mato do Júlio pela RGE e confirma interesse em condomínios na floresta; A chatinha da Greta

Vegetação foi cortada perla RGE na segunda-feira

A Prefeitura de Cachoeirinha contrapõe nota da RGE que informou que corte de árvores no Mato do Júlio foi uma “parceria”. A nota oficial também reforça o interesse do governo Cristian Wasem (MDB) em permitir a construção de condomínios na floresta urbana. A justificativa? A de sempre para desmatar: “desenvolvimento” e “empregos”.

Vamos às informações e depois analiso, sob o ‘Modo Greta’ – a Greta Thunberg, aquela menina chatinha que estava certa.

Terça-feira, após não conseguir detalhes com a Prefeitura e a RGE, cobrei mais transparência sobre a operação, em Desmatamento no Mato do Júlio precisa ser melhor explicado em Cachoeirinha.

A concessionária de energia, então, enviou nota.

“A RGE esclarece que a retirada de vegetação nas proximidades da rede elétrica de Cachoeirinha é uma medida preventiva planejada para garantir a segurança da população e a continuidade do fornecimento de energia, principalmente após os eventos climáticos que afetaram a região. Essa ação faz parte do Plano Anual de Manutenção Preventiva da concessionária e é realizada em parceria com a Prefeitura, visando minimizar riscos e melhorar a confiabilidade da rede”, informa a RGE.

“A operação segue normas técnicas do setor elétrico e é acompanhada por especialistas, com avaliação prévia de todas as necessidades locais. A RGE reforça também o seu compromisso com o manejo responsável da vegetação e com a conscientização sobre a importância do plantio adequado, e do manejo preventivo, tanto em áreas públicas quanto em propriedades particulares”, encerra a nota.

A Prefeitura apresenta informações diferentes.

“Essa intervenção foi realizada unilateralmente pela RGE, com base na Licença Única Ambiental emitida pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM), órgão estadual competente. Ressaltamos que a Prefeitura não solicitou a execução desse manejo e não foi previamente informada pela RGE”, informa nota oficial.

“Em resposta, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente adotou as medidas cabíveis de fiscalização e notificou o órgão estadual responsável. A definição e fiscalização da faixa de servidão para essas atividades são atribuições do órgão estadual. No entanto, o município segue atento a possíveis irregularidades e as comunica ao estado sempre que necessário”, segue.

“Serviços dessa natureza devem respeitar rigorosamente as normas técnicas vigentes, como a Resolução CONSEMAno 358/2017, que exige a presença de responsável técnico, o uso de equipamentos apropriados e cuidados específicos para proteger árvores de grande porte, ninhos e colméias”, conclui a nota, no trecho sobre a supressão de vegetação.

A Prefeitura também confirmou o interesse em alterar o zoneamento da floresta urbana para permitir a construção de condomínios.

“A discussão em torno do Plano Diretor inclui a proposta de um zoneamento misto para o Mato do Júlio, propriedade privada com 212 hectares. A proposta prevê a utilização de apenas 15% da área para o desenvolvimento urbano e com o compromisso dessa gestão de permanência de preservação de 85% da área, com monitoramento constante e ações ambientais concretas que reforçam a relevância desse espaço para o meio ambiente de Cachoeirinha”, diz a nota.

“O Plano Diretor, instrumento legal do município, determina o zoneamento urbano e define os tipos de imóveis permitidos em cada área. Porém, é importante destacar que o zoneamento não autoriza automaticamente desmatamento ou licenciamento ambiental. A gestão estratégica dessa área visa aliar desenvolvimento urbano a benefícios sociais, como melhorias na mobilidade, ampliação de vias e geração de empregos e investimentos”, segue.

“Casos como o Parque Germânia, próximo ao Shopping Iguatemi, mostram que é possível combinar empreendimentos verticalizados com a preservação ambiental. O Canoas Parque Shopping também é exemplo de desenvolvimento sustentável, promovendo integração entre urbanização e natureza, além de gerar cerca de 5 mil empregos diretos e indiretos, muitos deles com remuneração qualificada”, exemplifica, e conclui:

“A proposta do município busca equilibrar desenvolvimento e preservação, promovendo um modelo de urbanização sustentável que prioriza a geração de empregos, atração de investimentos e o fortalecimento econômico, sempre em conformidade com a legislação ambiental. A Prefeitura de Cachoeirinha reafirma seu compromisso com o progresso sustentável, a conservação ambiental e a transparência, mantendo diálogo constante com a comunidade”.

Mato do Júlio é a maior floresta urbana da região metropolitana


Analiso.

Acerta a Prefeitura em notificar a RGE. Aguardemos relatório dos técnicos ambientais do município sobre o desmatamento.

Foram cumpridas as regras da licença concedida pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam)?

A normativa é única para todo Estado. Clique aqui para ler.

Resta absurdo a concessionária suprimir uma área de 50 metros de vegetação, cerca de 10 metros mato adentro, sem ao menos comunicar a Prefeitura – deveria apresentar um plano de ação, principalmente em uma área sensível como o Mato do Júlio.

Mas tende a ser o novo normal. A Assembleia Legislativa aprovou em novembro deste ano projeto do governo Eduardo Leite (PSDB) que amplia poderes das concessionárias para o manejo de vegetação em todo Rio Grande do Sul.

A motosserra vai pegar Rio Grande afora. Anotem.

Sobre o desmatamento planejado da floresta, para construção de condomínio, já tratei em artigos anteriores: reputo é hora de ligar o ‘Modo Greta’ em Cachoeirinha.

Como já comuniquei, mudei de opinião sobre o tema.

Em 15 de junho de 2020 publiquei o artigo Acordo do Mato do Júlio é bom negócio; Greta Thunberg fica para amanhã. Desde 2023, antes mesmo da catástrofe de maio de 2024, uma nova realidade se impôs e passei a entender o contrário. O amanhã chegou. A emergência climática obriga a ativar o ‘Modo Greta’.

Reafirmo o apelo ao prefeito Cristian para que ao menos congele a polêmica até que obras de contenção de enchentes sejam concluídas em toda a região metropolitana. Os diques e casas de bombas estão inscritos no PAC, como já reportei mais recentemente em PAC do Lula: consórcio de municípios contratará os 2,9 bi em obras para cheias e falta de água na Bacia do Rio Gravataí.

Se parece impalpável o fato de uma floresta urbana ajudar a reduzir a temperatura em toda Cachoeirinha, lembremos que o Mato do Julio salvou pelo menos 2 mil pessoas de serem atingidas pelas águas.

No Mato do Julio, além da comunidade indígena mbyá-guarani, conforme Estudo de Viabilidade Ambiental (EVA) vivem “40 espécies de répteis, anfíbios, mamíferos e aves”, “143 espécies vegetais” e, captado em uma armadilha fotográfica neste ano, até Leopardus guttulus, nome científico do gato-do-mato-pequeno, uma espécie em extinção.  

Mato do Julio funcionou como uma esponja, mitigando inundação em regiões como o Parque da Matriz


A polêmica vem de longa data.

Para quem não lembra, o zoneamento da floresta no coração de Cachoeirinha pegou preço na revisão do Plano Diretor, cujo texto é de 2007 e a revisão está atrasada desde 2017, sob cobrança do Ministério Público, inclusive. A urbanização pode permitir, por exemplo, a construção de um condomínio de luxo, e/ou de espigões, ao custo do desmatamento de parte da área.

O Mato do Julio é uma área privada. Um acordo foi firmado em 2020, entre o prefeito Miki Breier e os proprietários, prevendo a troca de uma dívida judicializada de R$ 25 milhões em IPTU pelo repasse para a Prefeitura de 10 dos 250 hectares da área avaliada em R$ 200 milhões.

O parcelamento de solo previa 35% de terras para a Prefeitura: 20% para arruamento, 15% para área institucional – como um parque ecológico projetado para o entorno da Casa dos Baptista – e 10% de área verde, sem possibilidade de construção.

Pelo que apurei, os interesses convergiam – e assim seguem – para inscrever a floresta como zona urbana. Para isso é preciso alterar o Plano Diretor, a partir de projeto enviado pelo prefeito e aprovado pelos vereadores.

O que ainda barra empreendimentos imobiliários é o Mato do Julio aparecer como “área especial de interesse ambiental” no Plano Diretor. Algo como uma ‘floresta urbana’, já que restante dos 44 quilômetros quadrados de território de Cachoeirinha são considerados 100% zona urbana.

Na seção DAS ÁREAS DE ESPECIAL INTERESSE AMBIENTAL do Plano Diretor, dois artigos tratam disso.

Art. 153. As Áreas de Especial Interesse Ambiental são áreas naturais ainda preservadas, as quais podem ser tornadas Unidades de Conservação nos termos da Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000, de acordo com os procedimentos previstos na mesma, quais sejam, estudo técnico e consulta popular, conforme indicativo da participação popular no processo de elaboração desta Lei.

Art. 154. São Áreas de Especial Interesse Ambiental, além de outras que possam ser apontadas pelo Plano Setorial Ambiental, e que devem ser objeto de procedimento para criação de Unidades de Conservação de Proteção Integral, num prazo de até 3 (três) anos:

I – o Parque Municipal Tancredo Neves;

II – a área conhecida como Banhado do Shopping;

III – o Horto Florestal.

Parágrafo Único – As áreas conhecidas como Mato do Júlio e Fazenda Guajuviras, Áreas de Especial Interesse Ambiental, serão objetos de estudos técnicos e consultas públicas, de iniciativa do Poder Executivo, buscando determinar as características das mesmas, para certificar a viabilidade de criação de Unidade de Conservação de Proteção Integral ou de Unidade de Uso Sustentável, no prazo de 1 (um) ano da publicação desta Lei, quando então será definida a sua destinação e utilização.

Há, ainda, estudo da Metroplan sobre prevenção de cheias, concluído em 2018 a partir do PAC Prevenção de 2012, que recomenda respeitar uma ‘mancha’ sem empreendimentos na região próxima ao Rio Gravataí.

Para os novos projetos, do PAC, novos estudos de cotas de inundação estão sendo feitos após a enchente de maio.

Ao fim, insisto no apelo ao prefeito, porque tem maioria na Câmara de Vereadores para aprovar o que bem entender: segura mais um pouco os espigões no Mato do Julio, Cristian!

Aguarde os estudos da Metroplan, ou contrate um estudo para um Plano de Drenagem Municipal, para saber de onde vem e para onde vai a água na nova realidade da região metropolitana.

Por que a Prefeitura não desapropria e mantém a floresta?, leitores podem se perguntar. É inviável financeiramente. O custo para indenizar os proprietários corresponde a um terço de toda arrecadação de um ano de Cachoeirinha, incluindo verbas para salários, saúde e educação, por exemplo.

A solução? O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí apresentou ao governo federal proposta de desapropriação do Mato do Julio como prioridade regional no enfrentamento à crise climática, das enchentes e inundações à seca e a poluição; leia em Comitê da Bacia do Rio Gravataí pede desapropriação do Mato do Julio ao governo federal; O Central Park do pós-enchente.

Ainda não andou.

Então, deixa como está para ver como fica, prefeito! A legislação municipal atual preserva o Mato do Julio e o direito coletivo. Os proprietários que busquem seus direitos individuais no Judiciário.

Eu já ativei o modo Greta Thunberg.

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