3° Neurônio | literatura

Há 35 anos surgia o Analista de Bagé, para riso de todos e dor dos cuiudos

: Consultório do Analista de Bagé, foto de Roberto Silva (1981)

 

A história do Analista de Bagé – trocentas histórias e tantas edições depois, após adaptações pro teatro e pra quadrinhos em revista masculina e álbuns – não precisa ser espanada. Senão o próprio Analista de Bagé vai reclamar:

– Mas como, bagual, esqueceram  tudo que enfiei no cocoruto da tropa toda?

A gente lembra, dr. Lembra tanto e tão bem que vamos pulá tudo que o povaréu curtiu e riu por várias décadas. Afinal, o acervo já tá todo catalogado pra futuros estudos. Também há bibliotecas e estantes domésticas lotadas de exemplares, fora os sebos onde fazem a festa de cupins e traças desencucados. Tudo isso serve pra comprovar que houve mesmo uma terapia do joelhaço, e que fez um baita sucesso, e que foram vendidos dezenas de milhares de livros, oigalê!

Mas para, tamo enrolando: é hora de aproveitar a efeméride (que é quando uma data se afrescalha, como diria o Analista) pra contar os bastidores do primeiro livro do analista mais ortodoxo que latinha de fermento Royal dentro da latinha de fermento Royal (essa é inédita, né dr?).

 

 

Pôs bem. Deve ter sido em 1980 que Luis Fernando Verissimo imaginou uma das suas obras-primas, aquela de bombacha. A cada história do Analista de Bagé, um frisson de admiração e risos percorria o RS. Era muito engraçado, bem sacado e polêmico: chegava a incomodar os de sempre, os tipo mal humorado. E do mesmo cérebro de onde brotou os primeiros  causos do Analista, vieram mais e mais. Opa! Era bom demais pra não dar bater palma. Já merecia reportagem!  Aí já era julho de 1981.

Havia uma pioneira Cooperativa de Jornalistas em Porto Alegre, a Coojornal (1975/1982).  Trocentos associados criando trabalho pra si e pra outros, inventando tarefa, produzindo jornal, revista, livros, folhetos, toneladas de celulose bem aproveitada, é bom dizer. As pautas choviam de todo lado, até goteira de assunto tinha. Aí, um repórter chamado Ayrton Centeno, propôs  uma série de entrevistas com personagens fictícios. A primeira seria com o já se afamando Analista de Bagé, a segunda com o Rango do Edgar Vasques, a terceira, bah, o neurônio que ia trazer essa info não veio. No rebuliço da boa ideia, os editores do mensário Coojornal toparam a pauta , o Centeno preparou as pergunta e enviou com a carreta das mensagens da época, o fax. Sim, esse era modernoso naquele tempo. O autor das proezas literárias envolvendo o Analista logo arrespondeu (viventes, o fax era de mão dupla, acreditem) e foi uma faceirice só na redação: era tudo inteligente, divertido, risível, parecia de próprio punho do Verissimo, que ainda nem era LFV, ou já era? E a matéria começou a ser tomar forma, pencas de pergunta e resposta, olho, lide, título e subtítulo. 

 

 

Até que alguém levantou a dúvida como se fosse uma lebre: como ilustrar? Houve um minuto de silêncio, e sem bola no centro. O Fraga tava lá, no entremeio da editoria, e teve a cara de pau de sugerir: quem sabe aquele tipo gauchesco meio grotesco que ele fazia nas festa junina, 76,79? (Nem vem ao caso, mas o Fraga fez esse tipo num curta super 8 amigo Tuio Becker, crítico de cinema e cineasta, já falecido). O pessoal do humor (chargistas, cartunistas, ilustradores, tudo associado também) conhecia e topou.  A partir da ideia desse tal de Fraga “encarnar” o Analista, toda a equipe de artes do jornal se envolveu (Eugênio Neves, Ferré, Juska, Edgar Vasques e o Roberto Silva, fotógrafo e artista gráfico de mil instrumentos que, quase nem vem ao caso, hoje em dia mora em João Pessoa). A produção foi rápida: montamos  – eles todos, o Fraga não, ele foi tratar do visual (cabelos gomalinados, sobrancelhas emendadas e barba engrossada a lápis, tudo inventado por ele) – um ambiente completo do que seria, na imaginação da gente, o consultório típico do Analista de Bagé.

 

 

A sala, sob medida, era da casa de um vizinho na cooperativa, na mesma rua Comendador Coruja, no bairro Floresta, quase em frente à sede da Coojornal. O material cenográfico foi catado numa manhã por gentil empréstimo, móveis e objetos de diversos jornalistas e outros amigos.  A direção de arte do grande Roberto Silva. E os cliques foram na mesma tarde, em meio a risos.

Outro grande destaque na produção recaiu na escolha do paciente. Foi unânime entre nós todos: o Juska é pessoalmente engraçado e compõe bem um tipo neurótico. Sem tirar nem pôr ele já era perfeito, e com aquele visual e cabelo, virou um ícone dentro da cena. A maleta tipo 007 veio do garimpo coletivo. Palminhas pro Juska, que foi genial ao posar, sem falar do baita cartunista que é.

 

: Edição do Analista de Bagé, capa de Alcy Linares, para o Círculo do Livro (Abril)

 

Como dá pra ver na foto inteira do cenário, há uma foto de formatura do Analista. Essa imagem menor é um dos pontos altos da produção da foto. E é tudo fake (palavra portuguesa  que não existia). O Fraga lembra que alguém sugeriu essa peça decorativa, detalhe essencial ao ambiente. Para a produção do clique, tudo que ele fez foi improvisar: simplesmente tirou e voltou a vestir a camisa azul marinho que usava, deixando os botões nas costas. Fez o plissado de papel dobrado, alguém da turma fez um rolo de cartolina preta e colou algodão no alto. Um mínimo de maquiagem (a pinta e as sobrancelhas) e pronto: não levaram mais de meia hora para criar e produzir tudo.

Éramos jovens, imagine a diversão.

A matéria, a primeira grande e bem tratada em cima do sucesso do maior personagem do LFV até então, foi publicada em agosto, na edição #65 do CooJornal (vem ao caso: ainda não se sabia o mal que a ditadura faria à Cooperativa de Jornalistas algumas edições mais adiante). São várias páginas, um excepcional registro jornalístico em torno da criação do nosso querido Luis Fernando Verissimo. A matéria está preservada em livro e cd, uma das dezenas selecionadas na edição CooJornal. Um Jornal de Jornalistas sob o Regime Militar, da Editora Libretos.

 

: Edição em quadrinhos do Analista de Bagé, parceria de Luis Fernando Verissimo e Edgar Vasques, a partir de páginas publicadas de 1983 a 1992 na revista Playboy.

 

Dada a super repercussão da matéria, tudo que a editora L&PM fez foi aproveitar a imagem e, com senso de oportunidade, fazer dela a capa do primeiro livro. Já a edição do livro foi toda feita ali na Coojornal mesmo, encomenda da editora. A capa é do Jorge Polydoro e a revisão de Jô Saldanha. O volume foi lançado na primavera de 81, com natural e estrondoso sucesso na Feira do Livro daquele ano. 

Já a foto da formatura, cortada fora no aproveitamento para a primeira capa, em 82 acabou virando a capa do inevitável volume Outras do Analista de Bagé. O resto é história, e tudo vem ao caso.

Até agora, nada disso foi relatado de modo algum: nada escrito, nada documentado, pouco falado, muito menos ouvido. É um depoimento exclusivo que o Seguinte: inclui entre as lembranças pelo 35 anos do Analista de Bagé e, bem ao caso, dos 80 anos do pai do Analista de Bagé, vulgo LFV.

 

: Quadrinhos do Analista de Bagé, parceria de Luis Fernando Verissimo e Edgar Vasques, com seleção de páginas publicadas na revista Playboy, álbum de 2007.

 

Para ler a matéria sobre os 35 anos do personagem de Luis Fernando Verissimo e entrevista com o próprio Analista de Bagé, acesse o site do Estadão.

 

 

: Ilustração de Edgar Vasques para matéria sobre os 35 anos do Analista de Bagé, publicada no Caderno Aliás do jornal O Estado de São Paulo em 15/5 (ver link acima).

 

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