a coluna da jeane

Histórias de jornalista – 1

Jeane Bordignon

Comecei a contagem regressiva para completar quatro décadas de vida! Dia 5 de dezembro faço 40 anos (com rostinho de menina, hehe)! E o Rafael Martinelli completa 45. Sim, somos do mesmo dia. Para quem não sabe, o Rafael foi o primeiro editor com quem trabalhei. Posso dizer que foi ele quem me ensinou a ser jornalista. Então, durante essas semanas que antecedem nosso aniversário, vou lembrar um pouco do que vivi nessa profissão.

Só por ele ter acreditado que aquela menina assustada seria capaz de fazer boas matérias, já teria motivo suficiente para ser grata ao Rafael. Nos primeiros dias eu tremia de verdade. Ainda não sabia que tinha Transtorno de Ansiedade e um pouco de fobia social. Quando precisei fazer a primeira enquete (ou “povo fala”), o fotógrafo Fernando Planella teve que me ajudar a abordar as pessoas, porque eu travei mesmo! A missão era perguntar para algumas “vítimas” na fila da lotérica o que pretendiam fazer com o prêmio se ganhassem a megassena acumulada. Parece simples, mas eu queria sair correndo.

Com o tempo fui entendendo que quando eu colocava o crachá de jornalista era como vestir um personagem. Ficou mais fácil lidar com o nervosismo. Mas sempre detestei fazer “povo fala”, mesmo tendo feito muitas vezes. Era tipo injeção, que a gente não gosta, mas faz porque precisa.

Como boa rata de biblioteca e pretensa poeta que sempre fui, meu desejo era mesmo a área cultural. Não dava para fazer só matérias de cultura, mas todo lançamento de livro, divulgação de show ou peça de teatro, o Rafael passava para mim. Disso também tenho que ser grata, porque eram os melhores momentos. E me fez conhecer pessoas que eu levei pra vida, como a Denise (que saudade!), o Jackson, a Glau, a Isab-El…

O Martinelli também percebeu outro talento na então estagiária: escrever histórias dramáticas, daquelas de fazer o leitor ter que pegar um lenço. Redigir era fácil, porque era basicamente organizar o que o entrevistado tinha me contado. O desafio maior era não se deixar levar pela emoção durante as entrevistas. Como não se comover diante de uma criança doente ou de alguém teve a casa devastada por um temporal?

Na verdade, a gente se comove, mas precisa aprender a disfarçar. Claro que tem momentos em que não dá para disfarçar tanto, somos humanos. Nunca esqueci de uma das primeiras matérias dessas: era uma mãe que há 10 anos procurava a filha. A menina havia sido levada pelo pai aos 5 anos, e desde então ele sumiu com a criança. Planella e eu fomos acompanhar o reencontro na escola onde a filha, então com 15 anos, estudava.

A menina já entrou na sala chorando e a mãe a abraçou, dizendo “Não chora, a mãe sempre te procurou, sempre”. Enquanto as duas se abraçavam entre lágrimas, as outras pessoas na sala também se emocionaram. Eu engoli em seco, tentando evitar chorar junto… e olhei para o Planella para ver se ele estava fazendo o mesmo. Até o fotógrafo estava de olhos marejados. Eu foquei em escrever, buscando concentrar minha atenção no papel, e assim evitar as lágrimas.

Entre uma pauta de cultura e outra de emoção, eu também quebrava o galho na editoria que precisasse. Até na página de Polícia assinei matéria! Não entrevistei nenhum bandido, foi uma reportagem sobre o “quilômetro da morte” da avenida Dorival de Oliveira, um trecho marcado com frequentes acidentes e atropelamentos.

Só não fiz página de Esportes, porque aí ia ser um desastre. Mas acho que não seria tão desastroso quanto o colega que virou folclore no jornal ao montar a página de economia por um dia. Ele precisava ilustrar uma nota sobre a venda do Pão de Açúcar (grupo de supermercados) e usou uma imagem do famoso morro do Rio de Janeiro de mesmo nome. Sim, aquele que é ponto turístico. Óbvio que o colega passou um bom tempo sendo conhecido como o cara que vendeu o Pão de Açúcar.

É, a gente trabalhava bastante, mas também se divertia… E todos tinham seu momento de “vítima” das brincadeiras alheias. Naquela época, o jornal fez uma parceria com uma rádio de Glorinha. Toda tarde, mandávamos as manchetes do dia seguinte, que eram divulgadas na emissora. As manchetes eram enviadas por fax, que ainda era bastante usado naqueles tempos em que a internet não era onipresente.

Um dia, nosso fax estragou e a internet da rádio não estava funcionando. O jeito era telefonar e ditar as manchetes. Rafael imprimiu as frases e me passou a missão. Fui usar o telefone direto, que era na mesa dele. Comecei a falar tranquilamente, parecia que ia ser uma tarefa facilmente cumprida.

Mas quando chegou justamente na coluna do Martinelli, ele havia escrito uma chamada bem irônica (como bom sagitariano), e desatou a rir assim que eu li. Me deu muita vontade de rir também (como boa sagitariana palhaça).

Aí que ele riu mais ainda, percebendo meu esforço para tentar terminar a missão sem risos. O Silvestre, que estava me observando da mesa dele, botou mais lenha na fogueira largando um “não ri, Jeane!” Pra quê… Aí é que não deu mais pra segurar, falei as últimas frases rindo (mas consegui pronunciar com clareza, pelo menos).

O moço da rádio levou na esportiva e perguntou “Por que tu está rindo aí, guria?”, com um jeito de que até ele estava sendo contagiado pelas risadas. Eu entreguei o chefinho: “É porque o Rafael está rindo aqui do meu lado…” E o moço: “Ah, esse Rafael é uma figura! Manda um abraço pra ele”. Transmiti o recado, desliguei o telefone e pude enfim deixar o riso solto.

Até o fax ser consertado, eu tive que repetir a missão e ouvir o Silvestre provocar “Não ri, Jeane”, por alguns dias. Claro que o Rafael caprichava ainda mais na ironia das manchetes, mas sagitarianos se entendem. Se tem uma coisa que a gente sabe, é rir de toda situação, até quando parece impossível.

E entre histórias, desafios e risadas, foram mais de quatro anos de jornal. Então ainda tem muita coisa para lembrar. Mas vamos continuar na próxima semana, né?

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