Quem é aqui da aldeia sabe que não é exagero dizer que o Dr. Ymay foi um dos médicos mais respeitados e admirados da cidade. Uma referência na área mesmo. Em 1998, pouco antes de encerrar meu ciclo no Correio de Gravataí, tive a oportunidade de fazer uma linda matéria sobre o Dr. Issao Ymay. Na ocasião, o médico estava recebendo o merecido título de cidadão gravataiense.
E na semana passada, o prestigiado médico finalizou seu ciclo nesse plano, aos 83 anos. Deixa saudades e boas recordações, com certeza. Claro que lembrei daquela reportagem. Fui muito bem recebida pelo dr. Ymay e sua esposa (e braço direito no consultório) Kazú. Naquela tarde, conheci uma bela história de vida.
Issao Ymay nasceu na cidade de Presidente Venceslau, em São Paulo, em 1970, filho de um imigrante japonês. Aos 23 anos, mudou-se para Porto Alegre, junto com um irmão, que abriu a primeira loja de artigos japoneses na capital gaúcha, uma irmã, intérprete de japonês-português, e o cunhado.
O jovem já chegou com planos de estudar Medicina. Mas o que ele queria mesmo era desenhar histórias em quadrinhos (mangá). A mãe não concordava: “Ela dizia que eu não podia ser desenhista porque era uma profissão de boêmios. Como minha mãe tinha muitos amigos dentistas, que ganhavam bem, queria que eu também fosse dentista. Mas se fosse para seguir nessa área, eu preferia ser médico”, contou Ymay naquela entrevista.
Assim, o desenho virou hobby. A formatura em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul ocorreu em 1965. Como naquela época os casos clínicos como vesícula, apendicite, úlcera péptica (no estômago ou duodeno), eram resolvidos com cirurgia, foi um caminho natural escolher especializar-se nessa área.
Formado cirurgião, Issao Ymay chegou a Gravataí em 1970. O Hospital Dom João Becker precisava de um médico desta especialidade, e Ymay queria operar pelo INPS (atual SUS). Como o credenciamento ao INPS estava fechado, o médico precisou pedir ajuda, por intermédio de um amigo, ao Superintendente da Saúde (cargo que equivale hoje ao Ministro). Quando este esteve em Porto Alegre para inauguração de parte do Hospital de Clínicas, o amigo fez o pedido. Na falta de um papel, o Superintendente credenciou Issao em um guardanapo.
Foram 30 anos como cirurgião no HDJB. Ymay calcula ter realizado cerca de 10.800 cirurgias! Eram de 30 a 35 operações por mês. A maioria dos casos foram de bócio (papo), vesícula, úlcera péptica, varizes e hérnias “As mais complicadas são as dos tumores, principalmente no estômago, quando é preciso retirar todo o órgão e refazê-lo com parte do intestino”, explicou em 2008.
Mas ele sabia que um dia, com a idade, precisaria aposentar o bisturi. Foi em 1975 que o médico começou a pensar no rumo a tomar. Ao perceber que a maioria dos pacientes tinha mais de 50 anos, viu a oportunidade de trabalhar com geriatria.
“Na época não existia especialização em geriatria, então tive que estudar com o que conseguia: livros, revistas, congressos”, ele me contou na entrevista, acrescentando que fez cursos no Rio de Janeiro, Buenos Aires, Montevidéu, São Paulo, e prova para obter o título de especialista em Geriatria (ramo da medicina que estuda as doenças da velhice e seus tratamentos) e Gerontologia (estudo do processo de envelhecimento) foi realizada na Bahia.
Em 2000, Ymay abandonou as salas de cirurgia e passou a trabalhar apenas como geriatra.
Foi nessa especialidade que ele ficou conhecido pelas gerações mais novas, nas quais me incluo.
Issao Ymay também relatou sobre a ligação da família inteira com a saúde. A esposa Kazú recebeu treinamento para tornar-se sua auxiliar nas operações quando ele assumiu o bloco cirúrgico do HDJB, porque ninguém mais queria trabalhar ganhando apenas 30% do valor da cirurgia. Depois, Kazú passou a ajudar no consultório, até a aposentadoria do médico.
Os três filhos também atuam na área. Carla e Henri são cirurgiões-dentistas. Peter é clínico geral, geriatra, acupunturista e nutrólogo. Posso dizer que o dr. Peter faz jus ao legado do pai, porque ele é médico de confiança de familiares meus.
É uma bonita história, não é verdade? De alguém que salvou muitas vidas e fez a diferença em outras tantas. E escreveu seu nome na história de Gravataí e até da Medicina no Rio Grande do Sul. Gratidão por tudo, dr. Ymay!
Para terminar essa coluna com sorrisos, vou reproduzir aqui três “causos” acontecidos com um dos primeiros pacientes do cirurgião Issao Ymay no HDJB (e relatados na matéria de 2008). O cidadão era um sujeito do interior, que não conhecia as coisas da cidade…
O supositório
Na véspera da cirurgia, o paciente recebeu um supositório. É procedimento comum, já que é necessário evacuar antes da cirurgia.
Pela manhã, ao encontrar com Issao, o paciente reclama:
– Doutor, aquele remédio que o senhor mandou tomar foi custoso de passar na garganta…
A “bolacha”
Naquele tempo era muito usado o “Boa Noite”, espiral para espantar mosquitos. Como até no hospital havia mosquitos, eram distribuídos espirais de “Boa Noite” nos quartos. No outro dia, aquele mesmo paciente diz para Issao:
– Doutor, aquela bolacha que mandaram foi difícil de comer, era ruim…
O banho
Os pacientes eram instruídos a tomar banho no dia da cirurgia. Mas aquele, ao entrar na sala, avisou Issao:
– Doutor, não deu para tomar banho, a água que tinha era pouca. Só deu para lavar o rosto.
O sujeito, acostumado a banho de bacia, tinha se lavado com a água do vaso sanitário. E evacuou junto ao ralo do chuveiro.
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