no dia da mulher...

Hoje, lá e aqui: sem gentileza

“Depois do funeral de Sipho, a situação de Mvelo e sua mãe Zola tornou-se gradativamente pior. Mvelo era jovem, mas sentia-se velha como um sapato gasto. Tinha quatorze anos, com a cabeça de uma mulher de quarenta. Havia parado de cantar. Para o bem de sua mãe, tentou ao máximo manter o otimismo, mas sentia a esperança escapar como um peixe de suas mãos. Elas já haviam passado por essa situação antes, quando uma pessoa no posto de pagamento da pensão decidira suspender seus benefícios sociais. Um dos benefícios era por Mvelo ser menor de idade, sustentada por uma mãe solteira de trinta e um anos. O outro era para Zola, devido à sua condição.”

 

Este é o começo da obra Sem gentileza, da autora Futhi Ntshingila, da África do Sul. Publicado em 2016 pela Editora Dublinense, com tradução de Hilton Lima, o romance retrata a condição cruel em que vivem as mulheres nos guetos do país, no apartheid.

Desde o abuso de crianças, as dificuldades para sobreviver, a disseminação de doenças como a aids, até a infância subtraída tão precocemente, cada página revela situações dramáticas superadas pelas personagens. Lemos e pensamos: que horror se vive lá.

O se vive aqui também.

Situações parecidas ocorrem no Brasil, além de outras tão difíceis quanto essas. Todos os dias, as mulheres precisam dar conta de superar episódios de violência, de abuso, de injustiça social, de preconceito.

Além disso, o próprio discurso que combate as diferenças entre homens e mulheres é reiteradamente rechaçado. Feminismo é palavra que carrega estigma, nesta sociedade que ainda não percebeu que a luta das mulheres continua sendo por condições de respeito e de igualdade entre todos.

Uma mulher, a cada quatro minutos, sofreu violência no carnaval. E há quem se espante mais com o fato de uma mulher ter ido ao carnaval para se expor ao risco, do que com o fato de homens terem praticado esse tipo de abuso.

Um goleiro que matou e esquartejou sua namorada vira celebridade após sair da prisão.

Uma livraria propõe desconto em livros “para mulheres”, que não abrangem áreas técnico-científicas, porque, afinal, mulher só tem que saber sobre ser bonita, ser fashion, cozinhar e cuidar dos filhos.

No Dia Internacional da Mulher, não queremos flores ou presentes. Queremos que todas essas situações deixem de soar como se normais fossem. É para isso que o Dia foi criado, para ser de reflexão, de luta.

Sermos todos iguais, respeitados da mesma forma: isso é uma sociedade com gentileza.

Por enquanto, ainda vivemos como no título do livro.

Que o Dia da Mulher não seja apenas feliz: seja, principalmente, combativo.

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