A revista piaui é uma referência para ilustradores e cartunistas. Sempre bem editada consegue dosar textos massudos e enormes com uma edição precisa que mescla desenhos e fotos na medida.
Arrojo que falta em grande parte das publicações brasileiras.
Segundo Cecília Marra, editora de arte da revista, “o modo de encarar a foto e a ilustração é o mesmo. precisam estar à altura dos textos que a revista publica. A piaui é uma revista de texto. Para certos assuntos a ilustração é um recurso mais adequado para seduzir para a leitura, pode acrescentar uma dimensão inesperada ao assunto da matéria, uma metáfora, um comentário. Muitas vezes uma foto pode funcionar como ilustração. E a revista é inspirada na New Yorker que também valoriza muito o desenho.''
Por suas páginas passam e passaram artistas como Angeli, Negreiros, Caco Galhardo, Andres Sandoval, Reinaldo entre outros além de algumas dezenas de cartunistas estrangeiros.
Mas o que tem virado polêmica são algumas capas produzidas por Nadia Khuzina, russa radicada na Califórnia e, pasmem, apoiadora da campanha de Donald Trump à presidência.
Para quem ilustra os políticos brazucas em situações críticas e constrangedoras, nada mais estranho do que apoiar um candidato de extrema direita.
Ela é colaboradora da revista desde abril de 2012 quando fez a capa com o recém empossado tirano da Coréia do Norte King Jong-un.
Procurei por Nadia via Facebook me apresentando e querendo saber se ela responderia algumas perguntas sobre seu trabalho com a piauí e sobre sua ligação com as questões brasileiras.
Ela, de imediato respondeu que eu poderia mandar as perguntas mas que não garantiria retorno.
– Eu não sou realmente uma fã da mídia ou do jornalismo por mais estranho que isso possa soar.
Ok, ill try to be easy, respondi. E mandei seis perguntinhas.
A resposta veio de imediato:
– Sinto muito, não tenho nenhum comentário exceto que eu apoio Donald Trump (para a presidência dos EUA) e se brasileiros não entendem o porquê de uma feminista, imigrante, a favor de igualdades apoiá-lo, é porque devem ter se esquecido de Charlie Hebdo e nunca considerarem que se pessoas têm opiniões opostas isso não faz delas erradas sobre todas as coisas.
Uau!
Insisti com as perguntas e o retorno foi zero.
De outra parte, Cecília Marra e a direção da revista piaui foram absolutamente atenciosos e destacaram vários dos talentos da ilustradora.
– Ela é formada pela Academia de Art e Design de St Petersburgo e tem um domínio técnico impressionante, é muito inteligente, muito rápida e tem senso de humor. Não é difícil trabalhar com ela – salienta Cecília.
– Outro ponto é que ela, mesmo vivendo em outra realidade, procura sempre dar soluções mesmo quando minuciosamente pautada.
E é verdade. muitas das capas são provocativas como colocar o presidente em exercício Michel Temer nu. O mesmo aconteceu com José Maria Marin ou um beijo entre Temer e Cunha.
Mas deixar claro que essas ideias saem prontas da redação. Nadia executa – e bem – podendo ou não acrescentar um toque.
Está na banca mais uma obra de Nadia. É uma paródia da capa do disco Tropicalia ou Panis &Circensis concebida pelo artista plástico Rubens Gerchman em 1968 e que trazia, entre outros, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Nara Leão, Mutantes e Torquato Neto.
Na versão de Nadia, esses personagens foram trocados pelos cardeais do governo Temer e uma misteriosa boneca inflável ao lado de Henrique Meirelles.
Golaço!
– Quando ela acaba e entrega um trabalho, não fala mais no assunto – ressalta Cecília.
Isso talvez revele o quanto ela está descolada da política brasileira mesmo desenhando sobre isso.
Por outro lado, suas breves respostas podem demonstrar que ela não está nem aí para política, mídia ou imprensa mas sim o quanto ela está engajada em uma única obsessão: levar Trump ao poder.
Orlando Pedroso vive em São Paulo. É ilustrador, cartunista, chargista e fotógrafo. Mantém o blog do Orlando. Para saber mais sobre a arte da ilustradora Nadia Khuzina, acesse seu site. Para ver o conteúdo dessa ótima revista, acesse a Piauí.