Talvez só Beau Willimon criasse tal virada dramática. Márcio Souza (PV), da terra – e um dos algozes – do ‘Grande Eleitor’ Daniel Bordignon (PDT), é desde domingo o coordenador de campanha da chapa majoritária de Jairo Jorge (PDT) na região metropolitana.
O convite ao ex-vereador de Gravataí e há seis anos presidente do PV gaúcho foi feito pelo próprio candidato a governador, durante a convenção dos verdes.
– Um convite desses é uma convocação: a gente aceita e pensa depois – resume Márcio, sob o sorriso de outro inimigo de Bordignon, Sérgio Stasinski, ex-prefeito e hoje presidente do PV municipal.
Para entender esse episódio do House of Cards aldeano, possivelmente campeão de audiência no meio político local nessa pré-campanha, acompanhemos em retrospectiva ao roteiro que liga Márcio e Jairo e explica o porquê do convite acontecer não por acaso, mas por uma parceria de quase duas décadas:
Márcio era um guri da Cohab de 16 anos quando foi filiado ao PT e conheceu Jairo Jorge, aos 21 anos recém eleito vereador mais votado em Canoas na legislatura 89-92. A convivência entre jovens militantes em encontros petistas transformou-se em um cruzamento de idéias, estratégias e tática política em 2000. Foi o ano em que aconteceu um bug – não do milênio – no PT, com Tarso Genro rompendo a rotina de o vice ser o candidato, ao vencer José Fortunati e Raul Pont em prévias para a prefeitura de Porto Alegre que tiveram interferência decisiva de petistas de Gravataí.
O ex-prefeito fez 59,53% – Raul 28,4% e, o então vice, Fortunati, 10,69% – a custa da operação de uma centena de filiados de Gravataí que, após a semana de trabalho como CCs do governo Bordignon, aos sábados e domingos visitavam casas de correligionários na Capital pedindo votos para Tarso.
– À época, nas internas do PT, onde nossa ação foi muito criticada por ter decidido a prévia, se brincava que o socialismo do Raul era internacional, desde que Gravataí não invadisse Porto Alegre – brinca Márcio, que ainda sob a orientação de Bordignon era o coordenador dos ‘forasteiros’ e ali começou uma amizade com Jairo Jorge, comandante geral da campanha de Tarso, naquele ano eleito prefeito.
Em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente da república e convidou Tarso para comandar o conselho de desenvolvimento econômico e social, o ‘Conselhão do Lula’.
– O ministro quer alguém de Gravataí na equipe: você – foi a convocação que fez, por telefone, Jairo Jorge, que seria o ministro-adjunto, a Márcio, que naquele mesmo sábado foi até a praia conversar com Bordignon, prefeito reeleito.
Em Nova Tramandaí, acertaram que Márcio seria substituído por Rosane Bordignon na presidência do PT de Gravataí e fariam o convite para Décio Becker substituí-lo na secretaria de desenvolvimento – o que foi o embrião da aproximação com o empresário que em 2004 foi eleito vice-prefeito do petista Sérgio Stasinski.
À meia hora do primeiro dia de trabalho, Márcio recorda a reunião para a qual ele e Jairo foram convocados por Tarso. Era com o presidente.
– Gaúcho moreno assim? Acho que na Guerra dos Farrapos desceram do meu estado e estabeleceram relações entre Pernambuco e o Rio Grande do Sul – instigou Lula, em uma de suas brincadeiras que se hoje em dia fossem feitas em público por um, por exemplo, Bolsonaro, desencadeariam uma revolução nas redes sociais.
Percebendo a surpresa do jovem chefe de gabinete, Lula perguntou seu nome, abraçou-o e passou a tratá-lo por “Marcinho”.
Dois anos depois, Márcio estava no mesmo carro que Tarso e Jairo Jorge, rumo ao Palácio do Planalto para uma reunião do ministro com Lula. Uma ordem de serviço orientava ao primeiro escalão não deixar o país, o que era o sinal de que o presidente faria sua primeira reforma ministerial. Tarso – e Jairo concordava – achava que seria demitido, já que era um notório crítico à política econômica liderada no governo por Antônio Palocci.
– Serás convidado para ser ministro da educação – previu Márcio que, como todo meio político, e o próprio, já sabia que Cristovam Buarque perderia o cargo, tanto que não atendeu a ordem do presidente e viajou para Portugal, onde ouviu a demissão por telefone.
Um “tu tinha razão” de Tarso, ao sair da reunião reservada com Lula, confirmou a previsão de Márcio, que passou a assessorar o ministro na educação, tendo como chefe Jairo Jorge.
– Participar da criação do ProUni e da instalação da Universidade do Pampa são coisas que, para mim, valem uma vida na política – empolga-se Márcio.
Quando Tarso, a pedido de Lula, deixou o ministério para assumir interinamente a presidência nacional do PT no pós-mensalão, outro episódio de fidelidade ligou Márcio a Jairo Jorge. O novo ministro Fernando Haddad comentou que nomearia o também gaúcho Henrique Paim para secretaria-executiva.
– Alertei ao ministro que em nossa hierarquia aqui do RS o Jairo estava à frente do Paim. Haddad acabou chamando o Jairo, que estava em Lisboa, e o nomeou secretário-executivo do ministério – recorda Márcio, a época personagem de reportagem de capa do diário Correio de Gravataí, produzida por este jornalista sob a manchete ‘O embaixador de Gravataí em Brasília’.
Era metade dos anos 2000 quando Roma prendeu fogo. Bordignon e Stasinski romperam primeiro nas catacumbas e, para alegria dos adversários, depois se digladiaram no Coliseu da política de Gravataí, no início do fim império petista. Márcio ficou ao lado do amigo Stasinski, preterido à reeleição em 2008 por Bordignon e, depois, com a impugnação da candidatura do ex-prefeito, pela vice Rita Sanco, eleita com apenas uma semana de campanha, em uma eleição onde a foto de Daniel apareceu nas urnas eletrônicas.
Em outubro de 2011, o partido todo poderoso em Gravataí desde a primeira eleição de Bordignon em 96, começou a olhar o precipício de baixo para cima com o voto decisivo de Márcio a favor do impeachment de Rita e, como conseqüência, a eleição indireta, por 10 votos dos vereadores, de Acimar da Silva prefeito – parlamentar do PMDB de Marco Alba, adversário histórico e, um ano depois, eleito prefeito pelo voto direto contra um Bordignon novamente impugnado.
Alvo de um processo de expulsão, Márcio garantiu o mandato no TRE por 5 a 0.
– Sempre tive a solidariedade do Tarso e do Jairo – garante.
“Traidor” para os petistas ligados a Bordignon e Rita, Márcio saiu do partido e foi reeleito vereador em 2012 pelo PV, assumindo o comando dos verdes em todo estado.
– Escolhi um partido de centro, onde pudesse dialogar com a esquerda e a direita – explica.
Em uma das primeiras missões, lá estava Jairo Jorge à sua frente, para acertarem apoio do PV à reeleição do prefeito – ainda petista – e a adesão ao governo de Canoas. História que se repetiu ano passado, quando Jairo ligou novamente para Márcio, sondando uma coligação com o PV para concorrer a governador.
– Estávamos com Sartori muito por imposição de nosso deputado, João Reinelli, eleito com 9.098 votos, que tinha cargos no governo. O PV não tinha quase nenhum espaço ou influência política – relembra.
– O símbolo que foi o voto de um deputado do PV a favor da extinção da Fundação Zoobotânica nos obrigou a sair de uma neutralidade que já nos incomodava, principalmente pelos atrasos de salários e a falta de iniciativa do governo. Avisamos antes, mas o Rainelli votou pela extinção. Abrimos processo de expulsão e, na janela (de transferência partidária) de 2016, ele foi para o PSD.
O sim para Jairo aconteceu em novembro de 2017, quando o candidato tinha apenas um digito nas pesquisas internas. Márcio já começou a operar.
– Tínhamos há dois anos uma conversa com o Mano Changes, para vir para o PV e ser nosso candidato único a deputado federal. O Jairo disse que buscava um vice que fosse empresário, mas reconhecidamente descolado da arte da corrupção. Falei do Cláudio Bier, vice da Fiergs e pai do Mano. Fomos Jairo, Stasinski e eu visitá-lo. E a três dias do final do prazo para concorrer, ele se filiou ao PV e aceitou ser vice – lembra, botando mais uma na conta dos verdes: a composição na nominata de candidatos a deputado com Avante, PPL e Podemos, outros partidos que aderiram à coligação.
– Acho que o PV foi um facilitador para auxiliar na viabilidade eleitoral da chapa que Jairo encabeça – resume Márcio.
LEIA TAMBÉM
Bordignon, Stasinski e Márcio de novo juntos em uma eleição
E os ‘Bordignons’ nessa história?
– A vida nos apresenta situações quase ficcionais… – reflete, medindo as palavras, o sempre falante Márcio.
– Embora eu tenha todas as reservas, e talvez eles também, o projeto que pensamos para o estado está acima das questões pessoais. Tanto não interfere a questão local que em Gravataí temos uma construção que não muda junto ao prefeito Marco Alba (MDB). Com Bordignon não quero nenhuma relação pessoal, mas política, em nome de uma grande votação para o Jairo em Gravataí.
Quem conhece Bordignon – e Rosane – sabe que Márcio é um sapo de olhos verdes, mas para eles ainda um sapo difícil de engolir.
LEIA TAMBÉM