Em um domingo de sol. Com o João prestes a completar 3 anos fomos almoçar naquele restaurante mineiro às margens da RS-118. Comida boa e engordante, uma pinga de aperitivo para "baixar a comida" e aquela vontade de fazer a digestão ao estilo jibóia. Mas mãe gente, mãe não tem vontade própria: João queria mesmo era ir brincar no parquinho que tinha junto ao restaurante.
Lá estávamos no parquinho dentro de uma dessas casinhas de madeira onde tudo é mini, sentei em uma mini cadeira e fiquei observando o filhote brincar no mini fogão lilás. Falou que estava fazendo batatinha e bolo de Chocolate. Eu dando as orientações: “Isso filho, mexe a panela de batatinha, agora coloca o bolo de chocolate no forno, deixa a mamãe experimentar…” Enfim, a gente tava se divertindo um bocado, ele bancando o gourmet e eu impressionada com a capacidade de brincar de faz-de-conta do meu mestre cuca de 3 anos.
Eis que surge uma menina próxima dos 4 anos pelo seu tamanho e desenvoltura ao falar. Ela adentra a casa e vai se aproximando do fogãozinho lilás enquanto observa o João oferecer um pedaço de bolo de chocolate ao Buzz Lightyear que estava na cadeirinha ao lado da minha. 'Como filhinho come' e eu toda orgulhosa do meu neto patrulheiro espacial.
Então a menina já junto do fogão solta:
– isso é brincadeira de menina! Meninos não podem brincar de comidinha!
Eu pensei: Cadê a mãe dessa menina minha gente? Que machismo é esse? Preciso providenciar um exemplar de “O segundo Sexo” pra dar de presente pra ela. É um absurdo criar meninas já com esse machismo desde bem pequenas, pra elas crescerem achando que lugar de homem é no escritório e lugar de mulher é na cozinha.
E enquanto eu pensava em levantar-me e perguntar quem era a mãe da menina, o João olhou bem nos meus olhos e disse:
– Eu posso brincar sim né mãe? O meu pai faz comida na nossa casa…
E voltou a mexer a batata imaginária e a me oferecer pedaços fictícios de bolo como se a menina fosse invisível.
Pensei: "Que Beauvoir que nada minha gente, o negócio é dar o exemplo mesmo".
Atá.
Menos de um ano depois, nasceu a minha Maria.
O dia em que me tornei mãe de uma menina, mesmo já sendo feminista, passei a ter a obrigação de ser. E de reclamar cada vez que vejo algo errado sendo propagado como “nada demais”.
Ser mãe de menina te obriga a ser feminista. Você olha em volta e percebe que, ainda que não seja culpa da roupa de uma garota caso ela seja abusada por um canalha, você tem que aconselhar sua filha a não sair de casa de shorts caso vá usar o transporte público porque o número de babacas com que ela encontrará será enorme. Você olha em volta e vê outros pais, e isso bem antes da chegada da pré-adolescência, ensinando seus filhos a serem “pegadores”, terem mais de uma “namoradinha”, a serem “machos”. Você olha em volta e vê muitas mães preocupadas que as filhas se comportem como mocinhas, afinal, o que vão pensar delas se saírem pulando e correndo por aí?
Acontece que a Maria desde que se entende por gente A-M-A com todas as forças tudo que é rosa, tudo que é de princesa, tudo que é da Barbie.
E pra desespero geral da nação, não foi uma ou duas vezes que escutei da boca dela "isso é brincadeira de menina" (cadê a mãe dessa criança gente? Provavelmente refletindo sobre como é fácil dar discurso e que romper padrões é mais difícil do que se imagina, sobretudo para as meninas – como sempre!) embora eu e o pai deles sempre tenhamos dividido as tarefas e dado exemplo, o instinto dela de ser princesa, mãe de 35 bonecas e masterchef da cozinha rosa prevaleceu. E ela tem e terá liberdade de ser o que quiser ser. Porque feminismo também é isso.
Seguiremos no caminho do exemplo e do ensinamento, e que nossa princesa saiba que no alto da torre a opção é dela – somente dela – entre esperar o príncipe e derrotar o dragão. Porque ela pode, ela pode tudo!