CLAITON MANFRO

Ivo Bender, o alquimista do teatro gaúcho

Falar de Ivo Bender é falar de um dos grandes nomes do teatro gaúcho e brasileiro. Dramaturgo, tradutor, professor e uma figura que exalava paixão pela arte, ele deixou um legado que ainda ecoa nos palcos e nas memórias de quem teve o privilégio de conhecê-lo.

Nascido em Porto Alegre, em 1936, Ivo demonstrou desde cedo uma afinidade única com as letras e as artes. Formou-se em Letras Clássicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, na década de 1960, partiu para a Alemanha, onde aprofundou seus estudos em dramaturgia e teve a oportunidade de conviver com grandes mestres do teatro europeu. Durante sua passagem pelo país, teve contato direto com autores e encenadores como Bertolt Brecht, Peter Weiss e Heiner Müller. Esse período marcou profundamente sua visão de mundo e sua estética teatral, que sempre transitava entre o trágico e o cômico, o erudito e o popular. A influência do teatro épico de Brecht, por exemplo, é visível em muitas de suas obras, onde a crítica social e o distanciamento cênico são elementos recorrentes.

Suas peças são um misto de humor, ironia e críticas afiadas à sociedade, tudo isso envolto em uma linguagem refinada, mas nunca pedante. “O teatro é uma maneira de dar voz ao que a gente sente e ao que a gente não pode dizer abertamente”, ele dizia. E fazia isso com maestria, abordando temas complexos como poder, desejo, identidade e hipocrisia social, sem nunca perder a leveza e a elegância.
Muitos o definem como um mestre das palavras e um provocador nato. “Ivo era um alquimista do teatro. Sabia misturar o trágico e o cômico como poucos”, disse certa vez a atriz e diretora Deborah Finocchiaro. E ela tem razão. Peças como As Cinzas de Phaedra, Dona Cristina Perdeu a Memória, O Santo Inquérito, Os Espectros e As Cartas Marcadas são exemplos desse dom raro de contar histórias que fazem rir e chorar ao mesmo tempo. Seus textos não apenas encantavam pelo enredo, mas desafiavam o público a refletir sobre temas fundamentais da condição humana e das estruturas de poder.

Além de criar próprios universos teatrais, Ivo Bender também tinha uma paixão especial por traduzir grandes clássicos. Graças a ele, muitas obras de autores como Jean-Paul Sartre, Molière e Luigi Pirandello ganharam versões que respeitavam o original, mas traziam um toque brasileiro, quase artesanal, de quem entende profundamente o teatro. “A tradução não é apenas um trabalho mecânico de trocar palavras, mas sim um ato de recriação”, afirmava. Suas traduções, especialmente de peças do expressionismo alemão, foram essenciais para aproximar o público brasileiro dessa linguagem teatral.

Ivo também era um intelectual de posição firme e pensamento crítico afiado. Sua visão de mundo era profundamente humanista, comprometida com a liberdade de expressão e a valorização da cultura como ferramenta de transformação social. Durante a ditadura militar, manteve uma postura de resistência, utilizando o teatro como meio de reflexão e contestação. “O teatro não pode ser apenas entretenimento, ele tem que cutucar, provocar e incomodar”, dizia. Suas peças muitas vezes enfrentaram censura, mas isso nunca o impediu de continuar escrevendo e defendendo a arte como um espaço de debate e mudança. Em diversas entrevistas, criticava a mercantilização da cultura e a falta de incentivo às produções independentes. Para ele, o teatro deveria ser acessível e instigante, nunca mero produto de consumo.

Quem conviveu com ele sabe que o humor era um de seus traços mais marcantes. Bastava um encontro rápido para sair com alguma história impagável. “Ivo era daqueles que chegavam e logo soltavam uma frase genial, como se tivesse ensaiado a vida inteira para aquele momento”, lembra o crítico de teatro Renato Mendonça.

As montagens de suas obras sempre foram marcantes. Diretores e atores adoravam trabalhar com seus textos, que desafiavam e encantavam ao mesmo tempo. “Ele escrevia para o ator brilhar, mas também para o público sair do teatro pensando”, definiu certa vez o diretor Luciano Alabarse. Suas peças foram encenadas nos mais diversos teatros do Brasil, e muitas delas ainda são referência para estudantes e profissionais da dramaturgia.

O teatro gaúcho deve muito a Ivo. Seu legado está por aí, nos palcos, nos livros e na memória de quem o viu transformar palavras em arte. Um mestre que soube rir da vida e nos ensinar a rir junto, sempre com elegância e um toque de ironia. Como ele mesmo dizia: “O teatro é a arte do efêmero, mas algumas histórias nunca se apagam”. E a dele, com certeza, segue viva.

Grato Ivo!

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