Vencedora do BBB 21, a paraibana sai do ‘reality’ com 1,5 milhão de reais, mais de 24 milhões de seguidores e protagonista de um ‘case’ histórico nas redes sociais brasileiras. O Seguinte: reproduz o artigo publicado pelo El País
“Te vi, te amei.” Um dos versos que Carlinhos Brown dedica a Juliette Freire na recém lançada canção Juliette, mon amour parece resumir bem a identificação do público com a advogada e maquiadora paraibana de 31 anos que consagrou-se campeã da edição 2021 do Big Brother Brasil (BBB). Mais que o prêmio de 1,5 milhão de reais, ela leva um exército de mais de 24 milhões de seguidores —alguns dispostos a tatuar seu rosto—, propostas publicitárias que, especula-se, superam o valor pago pelo reality show e uma das marcas mais consolidadas nas redes sociais. Além de músicas, com seu nome já foi criada uma linha de vinhos, outra de lingerie, um álbum de figurinhas e jogos de celular. O sucesso é fruto de seu próprio carisma e do trabalho das 20 pessoas que administram seus perfis na internet.
– Meu sonho era nascer essa mulher fina, educada, mas eu nasci tagarela – já avisava Juliette no vídeo de apresentação dos participantes do BBB 21.
Uma vez confinada, ela fez jus à fama autoproclamada de faladeira e, com seu marcado sotaque paraibano, recheado de interjeições típicas de alguns Estados da região Nordeste, contou piadas, cantou e falou de si. Muito. Tanto que seus haters apelidaram-na de Euliette.
Especialistas em comunicação digital e marketing ouvidos pelo EL PAÍS indicam, no entanto, que o fato de reforçar sua própria história de vida foi um dos fatores fizeram dela a nova namoradinha do Brasil.
– Ela representa um Brasil com o qual muita gente se identifica, fala com seu sotaque marcado, tem paixão pelas suas raízes, isso gera aproximação com o público – analisa Gian Martinez, CEO e co-fundador da Winnin, que realizou um estudo sobre o BBB como uma fábrica de geração de conteúdo.
– Estamos em uma época tão desesperançada que buscamos apoio em narrativas fortes, como a de sofredora injustiçada e corajosa. Juliette sabe contar a própria história o tempo inteiro, nas mais diversas circunstâncias. E a história do vencedor é a história do brasileiro – acrescenta Yne Manuella, doutoranda em Comunicação na Universidade da Beira Interior (Portugal) e pesquisadora de comportamento nas redes sociais.
Nascida em Campina Grande (PB)—atualmente vive em João Pessoa—, Juliette é a filha de dona Fátima e seu Lourival, uma cabeleireira e um mecânico, e a única da família de cinco filhos a ter ensino superior. Formada em Direito, tornou-se maquiadora profissional enquanto estudava para realizar o sonho de ser delegada. Virou a caçula da família quando a irmã de 17 anos morreu em decorrência de um AVC. Teve de começar a trabalhar ainda adolescente no salão de beleza da mãe, a quem ensinou a ler e escrever.
Na casa do BBB 21, a mulher tagarela enfrentou, já na primeira semana, rejeição dos demais participantes, que se incomodaram com seu jeito de comunicar e, em demonstrações de xenofobia, criticaram seu sotaque. Sentindo-se acuada e isolada, Juliette foi murchando, mas não tardou em renascer, exaltando ainda mais seu regionalismo, inclusive com a interpretação de canções de Alceu Valença e Chico César. "Deus me proteja de mim e da maldade de gente boa”, verso de Deus me proteja, música de Chico em parceria com Dominguinhos, virou um de seus mantras.
A vitória foi a cereja final na redenção da heroína que cumpriu sua jornada no programa. De acordo com Lígia Salles, consultora de marketing e pesquisadora de neuromarketing, e equipe de Juliette fez um planejamento de comunicação para construir a imagem dessa heroína que, ao mesmo tempo que é forte, precisa de proteção (do público).
– Eles souberam se apropriar dos momentos de dificuldade que ela enfrentava dentro do programa. E ela mesma se comunicava diretamente com o público, tanto visualmente, quando sentava isolada no gramado do jardim, quanto verbalmente, dizendo que se sentia sozinha – analisa.
– Em um momento de crise sanitária, crise na educação, crise do emprego formal e em tantas áreas como estamos vivendo agora, tudo o que o público quer é algum tipo de justiça – acrescenta Yne Manuella, que utiliza o próprio perfil do Instagram para testar e estudar esse tipo de engajamento.
Outro trunfo de Juliette é sua autenticidade, seu jeito estabanado, o tom de voz alto. Há uma tendência nas redes sociais, segundo Gian Martinez, de valorizar mais o que é autêntico, em detrimento daquilo que é apresentado em uma embalagem “perfeita”.
A vencedora do BBB 21 não deixou vídeos prontos antes do confinamento para serem postados nas mais diversas situações —estratégia criada por Manu Gavassi na edição de 2020 e que especulava-se que seria quase regra obrigatória neste ano—. A equipe de Juliette publicou, no entanto, 160 vídeos ao longo dos mais de 100 dias de programa, enquanto Vih Tube, uma veterana no assunto, postou 54. Os administradores iam aproveitando situações protagonizadas pela sister para repercuti-las quase em tempo real nas redes, oferecendo aos fãs um conteúdo sempre atualizado.
– Muita gente assiste o BBB através de vídeos curtos no Instagram. Se você os tem como uma das principais estratégias de comunicação, consegue se conectar com uma base mais ampla do público – explica Martinez.
Não à toa, a expertise dos administradores das contas sociais de Juliette chamou a atenção até de Anitta, ela própria uma mestra da comunicação digital.
– Quem é que faz as redes sociais da Juliette, hein? Quero para mim – postou em março.
Dias antes, Juliette já havia sido contratada como assessorada da empresa que cuida da comunicação da cantora carioca.
Mariana Munis, professora de marketing e comportamento do consumidor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ressalta a assertividade de Juliette como outro ponto positivo de sua personalidade.
– Ela não ficava de fofoquinha e, se tinha alguma questão com alguém, preferia correr o risco de soar como chata, mas ia sempre tirar a limpo – lembra.
Segundo a especialista, esse é mais um traço que gera identificação com o público. Munis lembra que, no começo do século XXI, os ídolos eram as celebridades inalcançáveis, mas depois apostou-se na cultura dos influencers, justamente para gerar uma suposta proximidade socioeconômica.
– Agora os influencers ocupam o mesmo papel das celebridades, então nos voltamos para as pessoas mais pé no chão. Como consumidores, a gente gosta de gente como a gente.
É por isso que a vitória de Juliette em um programa como o BBB 21 é, mais do que nunca, uma vitória do público, conforme defende Lígia Salles.
– O povo se sente coautor de uma trajetória de sucesso e superação.