Retirada de uma família que vivia sobre uma área verde foi parar em vídeos no Facebook. Prefeitura explica a ação que vem suscitando polêmica
Era para ser uma área verde, destinada a uma praça ou um pequeno espaço de preservação no número 625 da rua Los Angeles, no Parque Garibaldino, bairro que fica nas imediações da parada 66 da Faixa de Taquara – perto da escola Padre Nunes.
Na segunda-feira, a área ficou famosa no Facebook em um vídeo que mostra uma ação de despejo promovida ali e que, desde 2012 tenta torná-la de novo um espaço público – com todos os temperos de uma boa polêmica.
Em dois dias, o vídeo e as fotos do despejo alcançaram toda a cidade. O Seguinte: foi atrás das informações e conta o que é verdade e o que é fake news nessa história toda.
E tudo começou lá nos anos 80…
As raízes do despejo executado na segunda, dia 12, vêm de um incerto momento nos anos 80, quando o terreno foi cedido a Associação dos Amigos e Moradores do Parque Garibaldino. Com termo de cessão assinado pela prefeitura e tudo. Uma espécie de centro social foi erguido ali e teve uso regular até meados dos anos 2000.
Uma integrante da família prestou serviço no centro mas, com sua desativação, teria ficado sem o pagamento de salários. Uma ação trabalhista foi ajuizada em meados de 2004 para 2005, conforme conta o advogado da família, Elton Minotto, em uma entrevista por telefone ao Seguinte:.
– Eles ficariam enquanto a ação estivesse em julgamento, mas já se sabia que a área era pública e que teriam que sair.
A ideia de morar no prédio foi aceita como uma forma de diminuir o prejuízo. E algo que era para ser temporário, se arrastou por 12 anos.
– Fizemos um acordo com a associação e a causa trabalhista foi paga em 10 parcelas – revela o advogado.
A partir da conclusão dos pagamentos, a saída da área era certa.
MP entra com ação
A associação chegou a tentar remover a família do local que, sem ter para onde ir, acabou ficando. Como a área é da Prefeitura e, portanto, pública, em 2008, o caso chegou ao Ministério Público.
O promotor Daniel Martini, que atuava na cidade na época, entrou com uma ação contra a Prefeitura alegando que área não poderia abrigar o centro social inativo – e muito menos uma moradia. Pediu que o termo de cessão de uso fosse invalidado, a retirada imediata da família, a demolição da construção e a recuperação da área.
Em 2012, o juiz Rodrigo de Souza Allen deu sua sentença: e, assim, a ordem de despejo entrou nessa história.
De 2012 para cá, quase nada
A primeira ordem de despejo foi assinada em 17 de março de 2012 – há pouco mais de 5 anos, portanto. A família alega que tinha permissão para morar ali e, mesmo com sucessivas notificações judiciais, se recusou a sair.
Em 2014, a prefeitura fez uma nova tentativa de acordo. Chegou a pedir a suspensão da ordem de despejo.
– Queríamos que eles saíssem amigavelmente. Mas não foi possível – conta a coordenadora do departamento de Habitação do governo, Luciane Ferreira, na época, diretora do Demhab.
A promotora Carolina Ingrácio, que assumiu a ação com a saída de Daniel Martini, voltou à carga contra a Prefeitura, exigindo o cumprimento da decisão judicial que determinou o despejo. E conseguiu, inclusive, que o município fosse multado pelo descumprimento: R$ 10 mil a prefeitura e R$ 1 mil por dia ao prefeito se não executasse a sentença.
Na segunda, com todo o aparato de proteção da guarda, a Prefeitura foi lá retirar a família da casa em questão.
O despejo e a polêmica
Sem qualquer dúvida sobre a sentença, a família questiona o que chama de “truculência” da Prefeitura na ação.
– Meus pais não são bandidos. São uma família de bem. Não precisava de tudo aquilo – conta um dos filhos do casal que conversou com a reportagem do Seguinte:.
Eles teriam se sentido humilhados e incomodados com a presença de guardas municipais no local para o cumprimento da ordem de despejo. Sem ter para onde ir, queriam ficar – mas confirmaram o inevitável: os dias na rua Los Angeles estavam prestes a se encerrar.
– Eles foram provisoriamente para uma casa na 79 até a gente decidir como tudo vai ficar – conta o filho.
A Prefeitura explica a ação
Ao Seguinte:, a Prefeitura explicou como foi a ação que resultou no despejo da família no Garibaldino:
– Foi o último ato de um processo que já se arrasta há anos. Não tínhamos mais o que fazer senão removê-los – diz Luciane Ferreira.
– Eu li a sentença para eles, pedi que deixassem a casa em duas horas e eles foram informados que, se não saíssem, nós retiraríamos seus pertences e a construção seria demolida.
E foi.
Já sobre a presença da Guarda, quem explica é o coronel Flávio Lopes.
– Mobilizamos homens preparados para uma resistência ou descumprimento. Houve ofensas verbais contra nossos guardas e contra os servidores da Prefeitura, mas fora isso, nada – conta o comandante, um dos que estiveram lá no momento da desocupação.
– E tudo foi filmado.
As imagens inclusive serão anexadas à ação judicial para confirmar o cumprimento da sentença.
Segundo a coordenadora de Habitação da Prefeitura, Luciane Ferreira, o processo não se encerra por aí.
– Temos que cumprir com a recuperação da área e com o plantio determinado na sentença.
Como a área é pública, não há como a família recorrer da sentença para voltar à casa, nem receber indenização por eventuais benfeitorias.
– A ação é do Ministério Público contra a Prefeitura. Nesse processo, eles são um terceiro envolvido – confirma Luciane.
Os pertences da família retirados da casa lotaram quatro caminhões e foram levados para um depósito do antigo Demhab, sob responsabilidade da Prefeitura.
– Está à disposição deles. Só foram levados para lá para não serem deixados na rua já que eles não informaram para onde queriam que isso fossem levados – finaliza Luciane.
: Efetivo da Guarda Municipal acompanhou o despejo. Ao fundo, um dos caminhões que retiraram a mudança