como na librimundi

Kafka lido na ordem errada

: Escultura de Kafka, obra de Jaroslav Róna que se encontra no bairro judeu de Praga

 

Quando vivi no Equador, de 80 a 97, frequentava a Librimundi — de propriedade de um alemão —, a melhor livraria que já conheci, não tanto pelo amplo e variado acervo oferecido a seus clientes, mas porque todos seus atendentes eram grandes leitores.

Entrava lá, perguntava por um livro, e alguém colocava diante de mim várias obras do escritor e me explicava: “O livro que você está me pedindo é o mais vendido deste autor, mas recomendo que leia, antes, este aqui, porque é essencial para a compreensão do contexto em que produziu sua obra; porque é, de fato, o que escreveu de melhor; ou porque….”

E, se demonstrasse interesse, e não houvesse outro cliente esperando para ser atendido, a conversa se estendia, e sempre saía de lá com vários livros em baixo de braço e a cabeça borbulhando de tanta informação nova.

Lembrei dessa livraria, esta semana, ao terminar a leitura do Carta ao pai, de Franz Kafka, que certamente deveria ter lido muito antes de A metamorfose, que tanto me perturbou décadas atrás e que preciso ler de novo agora.

Comprei esse livro para a viagem de volta das férias, depois de ter ouvido, do guia de um tour, em Praga, sobre a turbulenta relação mantida pelo escritor com seu pai, desde a infância até sua morte, devido à tuberculose, aos 41 anos.

Essa relação — que motivou uma carta catártica, do tipo ”ajuste de contas”, de mais de 100 páginas, do autor a seu pai, que não a leu, porque sua esposa a interceptou —, inspirou uma escultura de Jaroslav Róna que visitamos, dias atrás, no bairro judeu de Praga.

De acordo com o guia do tour, Kafka tinha um pesadelo recorrente de que estava na cacunda de um homenzarrão sem cabeça, nem mãos, nem pés. O escultor preferiu retratá-lo montado sobre um terno de homem, como os que seu pai comercializava na próspera loja da família, em que esperava que o filho primogênito o sucedesse algum dia.

Mas Kafka não queria se tornar um homem de negócios, e sim estudar Línguas Germânicas (O alemão era sua língua materna, pois, na época, a Boêmia fazia parte do Império Austro-Húngaro.). No entanto, foi obrigado pelo pai a estudar Direito e trabalhou por longos anos na Companhia de Seguros de Acidentes de Trabalho de Praga, o que considerava um martírio.

No tempo livre, sempre oprimido pela autoridade paterna, escrevia contos, novelas e cartas (mais de 1.500 foram preservadas) a familiares, a amigos e a seus amores, todos eles malfadados. E, apesar de sua imensa produção literária, foram editadas, enquanto viveu, apenas as coletâneas de contos Considerações e Um médico rural, além de contos como A metamorfose, publicados em revistas literárias.

Antes de falecer, destruiu a maior parte dos manuscritos de outras obras, algumas delas inconclusas, e determinou a seu amigo Max Brod que queimasse os restantes. Mas seu desejo foi ignorado, e foram publicados, postumamente, romances (entre os quais O castelo e O processo, considerados suas obras-primas), textos em prosa, sua correspondência pessoal e seus diários.  

Quase desconhecido em vida, Franz Kafka é considerado, hoje, um dos principais escritores do século XX e o que melhor conseguiu captar as angústias do homem moderno.

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Receba nossa News

Publicidade