coluna da sônia

Ladrões do tempo alheio

Domingo passado, os relógios do meu computador e do meu celular amanheceram com o horário de verão. Tratei de saber o que havia ocorrido e, no site Horário de Brasília, encontrei a seguinte informação: "ATENÇÃO: Muitos relógios de smartphones e PCs adiantaram erroneamente hoje”.

E o texto seguia com um monte de informações sobre o horário de verão, mas nada, absolutamente nada, de pedido de desculpas pelos contratempos que o erro ocasionou na vida de alguns de nós ou de explicações sobre sua origem.   

Como assim os relógios adiantaram erroneamente? Lembrei de uma maneira de falar que havia, lá no Equador, onde vivi, quando alguém não queria assumir a responsabilidade por uma falha sua. Era comum dizerem, por exemplo, “Las llaves se me perdieron” em vez de “Eu perdi as chaves”, como se as chaves, coitadinhas,  tivessem a capacidade de se perder sozinhas.    

Parece que esta minha pena de perder tempo começou quando eu criança. A mãe contava que eu andava zanzando pela casa às 5 da manhã aos gritos: “Acorda, pessoal, já é dia! E eu já dormi tudo!”.

Quando fiz seis anos, ganhei — além da Terezinha, uma boneca que andava e, a cada passo, virava a cabeça de um lado para outro —, um despertador mecânico, daqueles que vinham com duas campainhas enormes na parte de cima. E, em seguida, a mãe me ensinou a ler as horas e a dar corda no relógio, que fazia um barulho danado a noite toda e um escândalo na hora de despertar.

Mas nunca precisei dele, pois seguia acordando cedinho, sem que ninguém me chamasse. E a Bia, minha irmã, logo passou a abusar dessa minha capacidade. Ela tinha um horror tão grande ao tic-tac do relógio que o colocava em uma lata com tampa e o enrolava com um cobertor, com o pretexto de que não conseguiria dormir de outra maneira.

Daí, dizia que se atrasasse para as aulas, no dia seguinte, a culpada seria eu (Ai, a culpa, a culpa, que palavra horrorosa esta…), pois sabia que eu sempre acordava a tempo.  

E lá ia eu, religiosamente, a seu quarto, todos os dias, às 6 de manhã (Entrávamos às 7h30min no colégio.), mas daí ela pedia para eu voltar em 15 minutos, e eu voltava. Que irmã bem mandada era eu…

Passaram-se os anos, comprei um relógio elétrico, bem silencioso, e, mais adiante, passei a consultar as horas só no computador ou no celular, mas sigo acordando espontaneamente entre as 4 e as 5 da manhã.

Tem gente que me receita chá de camomila, Rivotril e o escambau, para que durma mais, mas ignoro seus conselhos. Adoro despertar de madrugada, abrir as persianas e ver o dia nascer, ouvindo uma boa música, antes de me dedicar a outras atividades. 

Quando meus filhos viviam comigo, essas horas, em que imperava o silêncio lá em casa, eram as minhas horas. E, agora, que todas as horas são minhas, é, ainda, na madrugada, que me sinto mais animada e produzo mais.

Nas demais horas, em que, tenho compromissos com outras pessoas, sigo sofrendo com os ladrões do tempo alheio. Dias atrás, estive em um evento, em Porto Alegre, que começou com uma hora de atraso, porque a principal autoridade, sem a qual o cerimonial não podia ser iniciado, não aparecia e, quando apareceu, abraçou e beijou dezenas de pessoas antes de subir ao palco. 

Aliás, isto é comum entre os políticos. Não sei por que cargas d’água, grande parte deles, ao assumirem cargos, passam a se considerar animais superiores, que não devem qualquer satisfação a seus “dessemelhantes”. Se não estou ali a trabalho, dou as costas e vou embora. 

Mas há, também, meros mortais que não estão nem aí para estas considerações. Canso de ser chamada para reuniões — a maioria pouco produtivas —, às quais chego de uber ou de táxi, para não me atrasar, e lá fico eu “plantada”, esperando pelos outros. Devo ser muito antiquada mesmo, mas isto me deixa irritadíssima. 

Em uma dessas ocasiões, a pessoa me deixou um tempão imenso na calçada de seu escritório, que ainda não estava aberto. Ao chegar, cheia de compras, disparou: “Desculpa-me, Sônia, eu me atrasei um pouquinho!”. E eu: “Não foi um pouquinho não! Estou aqui a uma hora e meia e já chamei um táxi. Então, larga esta tralha toda e vamos resolver o que temos de resolver em 5 minutos”.

Só não fui embora, porque que se tratava de um assunto urgente e porque carregava um livro maravilhoso, que fiquei lendo sentada em um degrau à sombra de uma árvore. 

Como dizia o Millôr Fernandes, “Pontual é alguém que resolveu esperar muito”.

 

 

 

 

 

 

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