A Protetora entra em seu apartamento. Leonel, um alegre e pequeno Yorkshire de pelo cinza e bem tosado, esperava com o focinho colado na porta. Quando ela entra, ele pula nas pernas dela, apoiado nas patas de trás, esbaforido, como se fosse feito de molas. A Protetora ri, brinca com ele, conversa, pega-o no colo, atira a bolinha para que ele busque, faz-lhe carinho e dá-lhe dois biscoitos para cães. Valéria, sentada no braço do sofá, assiste a tudo. A gata grande, com pelo nas cores branca, preta e marrom, é uma vistosa SRD. Depois de toda a cena, ela dá um miado para a Protetora, que lhe acaricia a cabeça e dá-lhe também um par de biscoitos.
Essa cena repetia-se quase todos os dias, quase sempre no mesmo horário, quando a Protetora voltava do trabalho. Ela morava sozinha em seu pequeno apartamento. Na verdade, sozinha não: Leonel e Valéria eram seus companheiros. A Protetora vivia falando e conversando com eles. Os dois entendiam pouca coisa. Pelo menos eles entendiam as coisas mais importantes: a hora da comida, a hora do carinho, a hora das brincadeiras, a hora do passeio, e a temida hora do banho.
Leonel era o que mais gostava de brincar com a Protetora. Volta e meia ele se deitava ao lado dela, com a barriga para cima, pedindo carinho; ou então ele vinha com um brinquedo na boca, para que ela jogasse e ele fosse buscar. Valéria, ao contrário disso, ficava quase sempre em seu canto, observando e cuidando de si. De vez em quando ela chegava perto da Protetora, de mansinho, dava um miado e subia no colo dela.
Os dois não sabiam conversar com a Protetora. Ou melhor: ela é que não sabia entender. Os dois também não sabiam entender um ao outro, no início. Um dia, por acaso, eles aprenderam que podiam conversar.
— Eu adoro comer! — ele disse, depois de mastigar os últimos grãos da ração que ele abocanhara. Valéria deu uma lenta piscada de olhos, virando o rosto para o lado.
— Como se fosse grande novidade.
— Mas eu gosto!
— Leonel respondeu, sem perder o entusiasmo.
— Vai dizer que você não gosta?
— É claro que sim.
— Então tá!
E foi assim que eles descobriram o útil dom da comunicação.
No dia seguinte, logo antes da Protetora ir trabalhar, Leonel rodeava as pernas dela, ansioso, já sabendo que ela ficaria longe por um tempo. Ela lhe deu o costumeiro carinho na cabeça, falou aquele monte de coisas que ela costumava falar, saiu de casa e fechou a porta. Leonel choramingou um pouco, e foi tratar de procurar o que fazer. Ao ver Valéria deitada no braço do sofá, tranquila, ele não pode deixar de comentar.
— Eu não sei como você consegue ser assim com a Protetora — ele disse.
Valéria olhou para ele, sem muita expressão.
— Assim como?
— Você parece que nunca dá bola pra ela — ele respondeu, sentando-se no chão.
— Eu sempre brinco com ela, sempre fico junto com ela, sempre fico feliz quando ela chega em casa, sempre retribuo todos os carinhos. Mas você fica sempre aí, na sua. Eu acho que ela nem mesmo gosta de você.
— Você acha isso? — ela disse, ajeitando-se em uma posição mais confortável.
— Engano seu.
Ela nunca deixa de me dar atenção quando chega em casa, ela nunca me deixa sem comida nem água, nunca rejeita colo quando eu peço, e, ao contrário de você, ela nunca me deu banho.
Leonel teve um calafrio ao ouvir a palavra “banho”.
— Você é que vive o tempo inteiro em volta dela, e nunca deixa-a em paz! — Valéria continuou. — Você deve deixá-la cansada.
— Mas ela gosta quando eu brinco com ela! — ele respondeu. — Ela nunca se incomodou comigo, e ela também sempre cuida de mim; e, mesmo que eu não goste de banho, é bom, porque alivia a coceira, e eu fico com o pelo bem fresquinho!
— Credo — ela disse.
— Você é que não conhece direito a Protetora — Leonel disse.
— Se ela ficasse cansada de mim, ela não me daria mais bola.
— E como você sabe que ela não faz isso só por obrigação?
— Mas ela parece tão feliz! — ele respondeu.
— Eu consigo perceber o jeito que ela fica quando nós brincamos. Sabe, tem dias em que ela entra aqui meio diferente, meio murcha e sem alegria, mas não demora muito e ela fica normal de novo. Ela sempre fica melhor quando nós brincamos.
— Pode ser que você esteja certo — Valéria respondeu — mas você não pode dizer que ela não gosta de mim. Eu também gosto dela, mas eu tenho o meu jeito.
— É que o seu jeito é tão diferente do meu — ele disse.
— Mas é claro. Você é um cachorro.
— Sim. Mas ela gosta de mim do jeito que eu sou! — Leonel disse, levantando-se.
— Quanto a você, eu já não sei.
— Bom, eu também percebo o jeito que ela me trata — Valéria respondeu — e eu sinto que ela gosta de mim. Se ela me trata diferente de você, talvez seja porque eu sou diferente de você.
— Então, cada um de nós tem um jeito diferente de gostar dela, e ela tem um jeito diferente de gostar de cada um de nós?
— Eu acho que sim — ela disse.
— Que legal! — Leonel festejou, sacudindo a cauda.
— Então será que ela também gosta da Zuleika?
— Eu acho que sim — respondeu Zuleika, a mosquitinha que ouvia tudo pousada no marco da janela.
— Eu pico ela todas as noites e ela nunca se importou…