A má gestão que levou a Ulbra a uma recuperação judicial, com dívidas de R$ 6 bilhões frente a um patrimônio de R$ 3 bi, está custando a Gravataí sua única universidade. Após 33 anos de operação, com nota máxima no MEC, o fechamento da unidade foi comunicado dia 7. Nesta terça-feira, 17h, alunos e funcionários protestam em frente ao campus. Clique aqui para ler o manifesto do Centro Acadêmico Lia Pires.
Reputo o protesto é justo, mas inútil. A universidade não quer manter cursos presenciais em Gravataí. Explico neste artigo.
Serão atingidos mais de 400 alunos nos cursos de Direito, Psicologia e Educação Física, além de 70 profissionais, incluindo professores. A universidade manterá apenas o ensino à distância.
A alternativa apresentada pela Ulbra para cursos presenciais é garantir uma bolsa de 60%, válida até a formatura, para quem se matricular no campus de Canoas, que fica a 20 quilômetros.
A proposta permite também a troca para outros cursos, exceto Medicina, mantendo o desconto.
Em live na qual o fechamento foi comunicado, o reitor Thomas Heimann apontou a impossibilidade da Ulbra investir cerca de R$ 2 milhões para transferir a unidade presencial para outro local em Gravataí.
– Com a recuperação judicial, nossos ativos, os prédios, estão arrolados para venda e pagamento da dívida – explicou.
Assista a live e, abaixo, sigo.
Dos 5 hectares do campus, 4.8 foram arrematados em leilão pela Prefeitura, em 2019, para instalação do novo Centro Administrativo de Gravataí. No restante, a universidade construiria um novo prédio para manutenção da operação presencial.
Nada foi feito.
A venda dos 8 mil metros quadrados começou a ser negociada com a Prefeitura e a Ulbra prospectou aluguéis para uma nova sede em Gravataí.
Também não avançou.
O prefeito Luiz Zaffalon ofereceu então a EMEF Professora Idelcy Silveira Pereira para o funcionamento dos três cursos, que são noturnos. A escola municipal modelo tem inclusive ginásio.
A Ulbra não quis.
Reproduzo o conteúdo de ofício em resposta a Zaffa.
(…)
Excelentíssimo Prefeito, Sr. Luiz Zaffalon.
Em respeito à relação de confiança estabelecida com a sua administração, queremos primeiramente agradecer por todos os esforços realizados pela Prefeitura de Gravataí no sentido da permanência de nossas operações presenciais neste município. A sua oferta de nos alocar em uma escola modelo do município foi um gesto solidário e proativo em favor de nossa instituição. Após estudos e análise criteriosa de diferentes variáveis, a direção da unidade, a reitoria e a mantenedora entenderam, colegiadamente, que enfrentaríamos muitas dificuldades para migrar a operação para aquele local.
Diante disso, comunicamos a impossibilidade de continuarmos a nossa operação presencial em Gravataí. Como já havíamos sinalizado, é uma medida que faz parte da reestruturação organizacional da instituição, com o objetivo de garantir a sustentabilidade econômica e preservar nosso maior patrimônio, que é a oferta de um ensino de qualidade, avaliado com nota máxima pelo MEC.
Lembramos, ainda, que a Ulbra permanece atuando no município de Gravataí a partir de seu polo de Educação a Distância (EaD), em novo endereço, com a oferta de cursos 100% EaD e cursos híbridos.
Destaco que iremos reforçar todo o apoio que tivemos por parte de sua administração em nossa permanência em Gravataí, quando das comunicações aos colaboradores e estudantes acerca da descontinuidade da operação presencial. Iremos dar todo o suporte à comunidade de aprendizagem da Ulbra Gravataí no que tange à migração para outras unidades da Ulbra e possíveis transferências.
Mais uma vez nossa profunda gratidão e respeito ao senhor. Atenciosamente,
Reitoria Ulbra-RS
(…)
Sigo eu.
Parece obvio que a Ulbra não quer manter a operação em Gravataí porque é mais rentável a transferência para Canoas. É uma instituição privada, que busca lucro mesmo atolada em dívidas e com um Plano de Recuperação Judicial (PRJ) que é um prêmio à má gestão.
O que mais Gravataí poderia fazer pela Ulbra?
Não foi só na venda do campus em 2019 que dinheiro público socorreu a universidade.
A Lei Municipal 799, promulgada em 30 de dezembro de 1992 pelo prefeito José Mota (em memória) após aprovação da Câmara de Vereadores, autorizou a Prefeitura a garantir “… Auxílio a Universidade Luterana do Brasil no valor de Cr$ 210.000.000,00 (duzentos e dez milhões de cruzeiros) para aquisição da área para construção da escola…”.
Corrigindo a números de hoje, seriam cerca de R$ 8 milhões.
E por que refiro má gestão?
Rememoro Felipe Merino, advogado da associação de credores da Ulbra, em entrevista ao Seguinte: em janeiro de 2022:
– Não foi só má-gestão, com investimentos alheios ao mercado universitário, como exposições de carros antigos e times profissionais de futebol e vôlei. O antigo reitor da Ulbra roubou dinheiro e botou no bolso. Foi condenado criminalmente por desvio de verba. Hoje a Ulbra paga por esse passado obscuro – lamentou.
Referia-se à condenação a pena de reclusão de cinco anos e três meses em regime semiaberto, que um ex-reitor da Ulbra/RS recorre por lavagem de dinheiro em investigação do Ministério Público Federal que envolve compra e venda de uma fazenda, e a aquisição de dois veículos de luxo, conforme sentença proferida pelo juiz Guilherme Beltrami, da 7ª Vara Federal de Porto Alegre; além de outra ação que responde pelo suposto desvio de R$ 6 milhões repassados à Ulbra pela Prefeitura de Canoas.
Naquele artigo, Zaffa está preocupado com venda de campus da Ulbra Gravataí; O bilionário leilão suspenso, os ’milhões’ da Prefeitura e os extraterrestres, escrevi: “Seria um trauma para os gravataienses perder uma universidade, responsável pela formatura de mais da metade dos advogados em atuação na comarca”.
O dia chegou, infelizmente.
Resta a recomendação do atual reitor na live-despedida, citando Viktor Frankl, neuropsiquiatra austríaco que em 1945 saiu com 25 quilos do quarto campo de concentração nazista: “Quando a situação for boa, desfrute-a. Quando a situação for ruim, transforme-a. Quando a situação não puder ser transformada, transforme-se”.
Se for uma transformação sem mais dinheiro público para a Ulbra, que assim seja.