Uma emenda pode colocar o Mato do Júlio, em Cachoeirinha, no Orçamento do Rio Grande do Sul e transformar a floresta urbana de 256 hectares em um ‘Central Park’ da contenção de enchentes da Região Metropolitana de Porto Alegre.
Protocolada pelo deputado estadual Miguel Rossetto (PT), a proposta destina R$ 50 milhões à implantação do Parque Ambiental Urbano Mato do Júlio, integrando lazer, preservação ambiental e infraestrutura de drenagem natural.
O recurso sairia do Plano Rio Grande, fundo formado a partir da suspensão do pagamento da dívida do Rio Grande do Sul com a União — uma das medidas de socorro federal ao Estado após as enchentes de 2024.
– O Mato do Júlio é um tesouro ambiental e cultural de Cachoeirinha e de toda a região. Queremos transformá-lo em um grande parque público, que una preservação ambiental, lazer e cultura, garantindo um espaço de convivência e qualidade de vida para a população – afirma Rossetto, ao defender que o investimento em áreas verdes urbanas é estratégico para a resiliência climática.
A emenda concretiza um movimento que vinha se desenhando desde o encontro entre Rossetto e o prefeito Cristian Wasem (MDB), realizado em outubro, quando o parlamentar propôs a desapropriação da área com recursos de fundos climáticos e ambientais.
A sugestão havia sido apoiada pelo presidente da Assembleia Legislativa, Pepe Vargas (PT), e vinculada ao pacote de obras de contenção do Rio Gravataí.
A nova proposta dá forma orçamentária à ideia: criar o instrumento de programação “Parque Ambiental Urbano Mato do Júlio”, dentro da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), para estruturar o parque em cooperação com o município e outros parceiros.
O plano inclui revitalização de vias internas, implantação de ciclovias, áreas de lazer e equipamentos públicos, mas com prioridade à drenagem urbana e arborização com corredores verdes — soluções baseadas na natureza.
O ‘banhado-floresta’ que segurou a enchente
O Mato do Júlio é uma das últimas grandes áreas verdes contínuas da Região Metropolitana, com função ecológica comprovada na catástrofe de maio: segundo o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, 35% da água que inundaria Cachoeirinha foi retida pela floresta, poupando milhares de moradores.
O geólogo Sérgio Cardoso, ex-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica, já definiu o local como uma “esponja natural”, quando a entidade propôs originalmente a idéia do ‘Central Park’.
– A ideia é fazer um grande Central Park da Região Metropolitana – resumiu Cardoso, ao defender a desapropriação da área em reunião que incluiu o tema entre as prioridades regionais de enfrentamento à crise climática.
O levantamento técnico, elaborado pelo Coletivo Mato do Júlio, com base em dados da Defesa Civil e do MapBiomas, mostra que a vegetação — uma mistura de banhado e floresta nativa — atua como barreira natural às cheias do Rio Gravataí, além de regular o microclima urbano e manter a biodiversidade.
Na justificativa da emenda, Rossetto reforça esse papel: “O Mato do Júlio serve para amortecer as águas do Rio Gravataí em época de cheia, protegendo áreas habitadas e evitando destruição. Também melhora o ar, reduz a poluição sonora e mantém a biodiversidade”, cita o texto protocolado.
De floresta ameaçada a política de Estado
A área privada — cuja avaliação já chegou a R$ 200 milhões — resta há anos sob pressão da especulação imobiliária.
Hoje, o Mato do Júlio é classificado como “Área Especial de Interesse Ambiental” pelo Plano Diretor de 2007, o que ainda impede empreendimentos, já que a legislação municipal está em fase de atualização pela Prefeitura.
O texto legal prevê, inclusive, que a floresta seja objeto de estudos técnicos e consulta pública para criação de uma Unidade de Conservação, conforme a Lei Federal nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
Esse enquadramento protege a área, mas também exige definição do seu destino — e é aí que o projeto do parque surge como caminho viável entre a preservação ambiental e o uso público sustentável.
“A criação e ampliação de áreas verdes no meio urbano entram como soluções baseadas na natureza e se colocam como elementos estratégicos para evitar ou amenizar impactos”, reforça a justificativa da emenda.
Se no passado a desapropriação do Mato do Júlio parecia inviável — custando o equivalente a um terço da arrecadação anual de Cachoeirinha —, o cenário pós-enchente e os fundos emergenciais dos governos estadual e federal abriram nova janela de oportunidade.
O Plano Rio Grande pode destinar até R$ 23 bilhões à reconstrução e à prevenção de desastres climáticos, permitindo que parte desses recursos seja usada em infraestrutura verde — exatamente de onde a emenda propõe retirar os R$ 50 milhões iniciais para estruturar o parque.
Assim, o que antes era pauta de ambientalistas e especialistas pode ganhar, agora, instrumento legal e orçamento próprio no projeto de lei orçamentária de 2026.
Um Central Park gaúcho na prática
O Parque Ambiental Urbano Mato do Júlio pretende unir infraestrutura, lazer e preservação em um único espaço, tornando-se referência de solução climática metropolitana.
O projeto prevê desde trilhas e espaços de recreação até infraestruturas de contenção natural de águas, arborização intensiva e educação ambiental.
Mais do que um parque, seria um sistema natural de drenagem, equivalente, em escala regional, ao papel que o Central Park exerce para Nova York — uma floresta urbana no coração da metrópole, com função estética, social e ecológica.
Ao fim, com a emenda orçamentária protocolada, o Mato do Júlio deixa o terreno das ideias e entra na arena das decisões concretas — um símbolo da reconstrução verde do Rio Grande do Sul, e talvez, um de seus mais promissores legados pós-enchente.
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