RAFAEL MARTINELLI

Melo abandonou a população de Porto Alegre

Associo-me ao artigo da jornalista Marcela Donini, editora-chefe da Matinal Jornalismo. Sigamos no texto.

Não há outra conclusão possível: Sebastião Melo desistiu de gerenciar a crise na capital gaúcha.

A cidade viveu uma quinta-feira caótica, com água saindo por bueiros de bairros centrais e nas zonas norte e sul, em lugares onde o alagamento já havia recuado e outros onde ele não tinha chegado antes. 

A população de Porto Alegre, já traumatizada por mais de 20 dias debaixo de água e lama, viveu de novo horas de pânico. Experimentamos toda a tensão da primeira semana outra vez: alagamento avançando rapidamente para dentro dos imóveis, gente saindo às pressas de casa com água na cintura, vizinhos salvando uns aos outros, crianças sendo resgatadas de barco das escolas. Tudo isso sem nenhum aviso prévio da prefeitura, apesar dos alertas meteorológicos. Zero orientação. Nada.

E o pior: Melo disse com todas as letras que a prefeitura “não foi pega de surpresa”. Mas então por que deixou a população da cidade desprotegida? A explicação do prefeito e do diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), Mauricio Loss, é que choveu “além do previsto”. Porém, essa declaração foi dada quando o índice pluviométrico estava em 70mm, enquanto o alerta de domingo da Metsul apontava para chuvas próximas a 100mm.

Ainda que tenha chovido mais que isso em alguns pontos – ao final do dia, o Inmet tinha registrado 139mm na estação Belém Novo –, a prefeitura estava ciente de que a rede de escoamento está sobrecarregada – de água e de lama – e a cidade ainda não conta com a operação total das suas casas de bomba, que são as estações que devolvem o excesso de chuva para o Guaíba, impedindo que se acumulem nas vias. Isso não é o suficiente para acender um alerta para o prefeito?

Como diversos bairros de uma capital podem ser surpreendidos dessa maneira depois de 23 dias de crise? O básico em uma situação de emergência como essa é comunicar a população dos riscos e orientá-la corretamente. Mas parece que não deu tempo para a prefeitura aprender ainda. 

No início da tarde, a imprensa recebeu um vídeo em que o diretor do Dmae e o coordenador da Defesa Civil Municipal, coronel Evaldo Rodrigues, falam em alerta apenas para os bairros Menino Deus e Cidade Baixa. Eles orientam: monitorem e busquem abrigo se necessário. Como eu vou saber até onde vai subir a água e se devo ou não sair de casa? Isso é papel do poder público.

A culpa é minha e eu ponho em quem quiser

Não é de hoje que o prefeito insiste que a causa dos transtornos é o volume excessivo de chuvas – ele repetiu isso na terça-feira, como mostramos na Matinal. Mas volta e meia, para se defender das denúncias de falhas na manutenção, ele também diz que o problema é o projeto, do final da década de 60. “O sistema precisa ser revisto”, repete. 

Das duas uma: ou Melo pecou porque ele próprio deveria ter revisitado o sistema antes da tragédia que vivemos e não o fez como prefeito nem no tempo em que foi vice, ou negligenciou a manutenção mesmo, hipótese mais provável, conforme apontam diversos documentos e especialistas desde o início da crise, inclusive em reportagens da Matinal. Quando se vê nessa encruzilhada, o prefeito volta a culpar o volume de precipitação. 

Se a causa da enchente é a chuva, só nos resta rezar. Porque com a prefeitura não dá para contar mais. Se é que um dia foi possível.

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