Shoppings – essa armadilha e obstáculo consumista no caminho da erradicação da Covid-19 – Porto Alegre tem aos montes. Tudo indica que a cidade terá excesso deles no futuro: nada impede que surjam uns ao lado ou em cima de outros.
Já Mercado Público – essa preciosa raridade mercantil num mundo de mesmices consumistas – só restou um na capital. E há indícios que corre riscos de deixar de ser o que é para se tornar algo contrário à sua natureza e objetivo social. E a intenção da Prefeitura de privatizar o Mercado Público comprova a ameaça que paira sobre ele.
Shopping, qualquer um, é negócio: ótimo para os comerciantes, inegável serviço à sociedade, altar dos adoradores de vitrines e acumuladores de quinquilharias. O Mercado Público, o único que temos, é acima de tudo patrimônio, material e imaterial: ótimo para os mercadeiros e suas bancas, insubstituível para a clientela tradicional, inigualável polo singular de atração comercial popular.
As diferenças entre quaisquer shoppings e o Mercado Público são definitivas. Algumas são visíveis: não dá para comparar o prédio neoclássico, arejado na forma e funcional na finalidade, com esses tantos monstrengos encaixotados, mausoléus com gente viva. No shopping se vai para comprar e gastar; no Mercado Público as pessoas vão para se abastecer de um modo de vida já distante e, por isso mesmo, essencial.
Outras diferenças são impalpáveis: a cordialidade natural do atendimento em cada banca, a leveza e a soltura do convívio entre os fregueses. No Mercado Público todos gozam atmosfera humanizante e civilizatória, enquanto no shopping reina a a artificialidade e a indiferença. O Mercado cheira a especiarias e cereais, no shopping predomina o desinfetante.
E é justamente essa forma antiga e salutar de comércio que o porto-alegrense pode perder com o edital de privatização do Mercado Público. Um edital que visa sobretudo livrar a gestão municipal de bem gerir, incompetente até para dar conta da reforma pós-incêndio. Um edital surdo à resistência popular contra a privatização. E que pode ameaçar 100 permissionários e 1.200 trabalhadores.
Com a privatização, o perigo iminente é o Mercado Público virar shopping, um sistema onde a razão de ser do gestor é o lucro. O que implicará mudanças no seu perfil mercadológico: com o tempo e com interesses em jogo, bancas cederão espaços a modelitos de negócio que vão desalojar bancas tradicionais. Vão sumir bens e produtos que são a base da atração dos clientes. Vão surgir butiques e lojinhas de supérfluos. Vai ser uma descaracterização gradual, disfarçada de melhorias e inovações modernizantes. Mas, cedo ou tarde, o Mercado Público que adoramos sumirá.
Com ou sem pandemia, temos que nos unir e reagir à ideia da privatização tal como está no edital atual. Temos que lutar para preservar o Mercado Público tal como é.
(Para saber do valor do Mercado Público para Porto Alegre e a população, consulte na Wikipédia sua história de 150 anos, visite seu site, leia o edital, se informe da reação à privatização. Ainda dá tempo de salvar nosso patrimônio.)