Professora de matemática faz alerta a endocrinologista:
– Seu diagnóstico está equivocado, deveria avaliar melhor os sintomas do paciente.
Engenheiro é advertido por professor de letras:
– Seria melhor utilizar outro método de cálculo para obter o resultado pretendido na construção deste prédio.
Pesquisa econômico-financeira elaborada por economista é questionada por professora de biologia:
– Seus critérios de amostragem parecem insuficientes.
Estas são manchetes quase impossíveis. Mas, se invertermos os papeis, lembraremos de várias situações em que professores tiveram suas escolhas pedagógicas e suas atuações questionadas.
Recentemente, li uma matéria em que se criticava o processo de formação de professores nas universidades brasileiras. De início, estranhei a abertura da reportagem: “Economista critica a maneira como a formação dos professores é conduzida nas faculdades de Educação brasileiras, considera questionável o investimento em programas de alfabetização de adultos e aponta falhas nas políticas de cotas”. Até aí, tudo bem. As pessoas são livres para manifestarem suas opiniões, assim como eu estou fazendo aqui.
Entretanto, a questão que me parece central é: por que, exatamente, muitas pessoas sentem-se autorizadas a questionar a atuação de professores, enquanto que dificilmente vemos críticas ou questionamentos (pelo menos na mesma medida) à atuação de outros profissionais? E quando falo em atuação, não me refiro à questão ética, porque isso é constantemente alvo de debates, em qualquer área. Trato da questão técnica em si, das escolhas feitas pelos docentes.
Isso é reflexo de um contexto social de desvalorização total dos educadores e da educação. O problema refere-se não somente aos baixos salários dos profissionais, que também acarretam a desmotivação dos jovens em seguir essa carreira, mas também à disparidade entre os cursos superiores de formação profissional, na forma como são observados pela sociedade. Dentistas, médicos, engenheiros, arquivistas, advogados e professores são todos profissionais com formação superior. Cada um com sua especificidade, dedicaram muitos anos de estudo para a conquista de um diploma. Mas, pelo senso comum, a carreira de professor é sempre considerada “mais fácil”, “menos trabalhosa”, apesar de, no discurso, todos reconhecerem sua importância.
O problema é que só o discurso não basta. É necessária uma mudança efetiva de posicionamento. Os governos precisam demonstrar, na prática, que a educação é importante, com recursos destinados no Orçamento. Os pais precisam acreditar no projeto que o professor está propondo para seu filho (já presenciei, por exemplo, um projeto de leitura ser denunciado na Ouvidoria da Prefeitura, simplesmente porque os pais achavam inadequado o trabalho com Contos de Fadas, a despeito do que propunha a Professora de Língua Portuguesa). A sociedade precisa parar de chamar os professores de “vadios”, quando lutam por ou reivindicam melhores condições para desempenharem suas funções.
Opinar não é um problema em si. O problema é o rebaixamento ou o desmerecimento a que, muitas vezes, é submetida a capacidade técnica dos docentes, tanto na escolha de seus métodos de ensino, dos programas curriculares ou dos projetos a serem implementados.
É uma questão de bom senso, mesma medida. Se eu não me meto a discutir as estratégias médicas, jornalísticas, advocatícias, publicitárias ou químicas, o que me autorizaria a por em dúvida as estratégias pedagógicas escolhidas por um professor?
Infelizmente, “mesma medida” é expressão de pouco uso em nossos tempos.