Até o começo de setembro, o imbróglio envolvendo as 1.632 famílias sob risco de perderem suas moradias no bairro Granja Esperança, em Cachoeirinha, deve ter um novo, e talvez, decisivo capítulo na justiça. A comissão de moradores, que já conta com as procurações de mais de 600 famílias, tentará embargar o acordo judicial que determina o pagamento pelas suas casas à Habitasul Crédito Imobiliário, ou a desocupação até outubro. A intenção, no primeiro momento, é invalidar o acordo, uma vez que os ocupantes da área sequer foram ouvidos. Mais adiante, a comissão espera ter o apoio do Ministério Público para anular todo o processo que levou ao risco de perda das casas mais de 30 anos depois da ocupação da Granja.
— O acordo determina que as famílias cumpram a decisão, mas elas nunca foram parte da ação. Além disso, o prazo exíguo deste acordo também será questionado com um embargo de terceiro que estamos preparando — explica a advogada Clarice Zanini.
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No começo da tarde desta segunda, reuniram-se na Câmara de Vereadores de Cachoeirinha representantes da comissão, dos vereadores e da prefeitura para elaborar a melhor estratégia que leve à regularização da área — sem a perda das casas. Se, juridicamente, a estratégia imediata vai ser cessar a execução pedida pela Habitasul, politicamente, o município sinalizou com o avanço da implantação da nova política de regularização de áreas urbanas, o Reurb, como forma de agilizar e reconhecer escrituras na área originalmente ocupada em meados dos anos 1980.
Na quinta, o grupo volta a se reunir. Desta vez, no Ministério Público, e com a expectativa de ainda mais avanços.
— Estamos empenhados em comprovar o direito legítimo das famílias que ocuparam e transformaram a Granja. Estão nos cobrando uma valorização da área que jamais foi feita pela empreendedora, e sim pela prefeitura e pelos próprios moradores, Vamos apresentar novos documentos à promotoria — garante um dos representantes da comissão de moradores, Valci Guimarães.
Como pagar?
Faz 31 anos que ele vive no bairro, e lidera a comissão que tem o seu trabalho divulgado por uma página no Facebook. O terreno originalmente ocupado por Guimarães agora é dividido entre duas famílias. Na avaliação feita recentemente pela Caixa Federal, como parte da ação de execução de penhora, a casa de três dormitórios de Guimarães teria um valor de R$ 138 mil. A avaliação acrescentaria R$ 39 mil a este valor pelo imóvel estar em "uma avenida de concentração comercial".
— A área comercial não existia quando foi iniciada a cobrança. Nós é que transformamos a comunidade — questiona o morador.
A avaliação é parte fundamental do acordo firmado em abril deste ano entre a Habitasul Crédito Imobiliário e a Cooperativa Habitacional São Luiz, como conclusão da ação de cobrança iniciada em 1992. Na prática, a cooperativa teria recebido financiamento para construir 1.700 moradias na área denominada Granja Esperança, mas, antes da finalização do loteamento, as residências foram ocupadas e a cooperativa não pagou pelo financiamento. O detalhe é que nenhum morador faz parte da tal cooperativa, mas foram os representantes dela que determinaram a forma de pagamento, pelos moradores, do acordo: com uma entrada de 10% do valor avaliado e o restante em até 180 parcelas.
Os moradores alegam que a avaliação dos imóveis deveria ser baseada, com correção monetária, nos contratos das 76 casas vendidas à época do loteamento. Hoje, estima a comissão, das 1.632 famílias sob ameaça, em torno de 35% fazem parte do grupo que inicialmente ocupou as casas da Granja. A maior parte adiquiriu os imóveis depois, ou herdou. Significa que, vigorando o acordo, a maior parte dos atuais moradores teria de pagar pela segunda vez pelo mesmo imóvel.
: A maior parte dos atuais moradores não fez parte das primeiras lutas pela regularização da Granja
Outras ações na justiça
Se mais de 600 famílias aderiram à ação que pretende embargar o acordo entre a Habitasul e a Cooperativa São Luiz, outra parte dos moradores ainda acredita na alegação de usucapião para garantir a posse das suas casas. Depois de uma causa vencida no Tribunal de Justiça este ano — depois de derrotada na primeira instância, em Cachoeirinha —, uma enxurrada de mais de 60 ações foram ingressadas com o mesmo argumento. Nenhuma outra prosperou até o momento.
No entendimento do procurador do município, Emiliano Cláudio Macedo, o usucapião não se aplica neste caso. Uma vez que, já na época em que as casas foram ocupadas, a Habitasul demonstrou o interesse na área que havia financiado e o terreno virou alvo de litígio. Por isso, a prefeitura acredita que a mediação de um processo de regularização da área será a maneira mais eficaz de dar segurança aos moradores locais.