Sérgio Moro foi bem na entrevista exclusiva que deu para a GloboNews na noite desta terça. O que tinha que ser perguntado, foi. As respostas, mesmos que simples, por vezes até simplórias, também foram dadas. O superministro se mostrou um bom comunicador, num momento em que ninguém parece se prestar a debates mais profundos que uma poça d´água ou textão mais longo que o “leia mais” do Facebook. Em tempos onde tanta gente parece reivindicar a liberdade de se deixar mandar, claramente posou de moderado, ao estilo do milloriano "as ideologias falharam, só nos resta a cirugia plástica!"
Mas vamos ao que disse o civilis vulgaris.
O ex-juiz possivelmente frustrou parte dos – arredondando para cima – quatro em cada dez que elegeram Jair Bolsonaro ao dizer que o Ministério da Justiça não tem estudo em andamento para liberar o porte de arma, após a flexibilização da posse no canetaço presidencial de ontem. Não apresentou nenhum dado ou exemplo internacional para a nova política armamentista brasileira, mas foi prudente ao não estabelecer uma conexão direta entre a liberação e uma redução nos números da violência.
– Era uma promessa de campanha do presidente. Uma parcela da população quer ter arma para aumentar a sensação de segurança em casa – resumiu, considerando normal haver avanços e recuos quando da elaboração de políticas públicas.
Para quem não acompanhou os bastidores da redação do decreto presidencial, Moro foi “apresentado a Brasília”, já que o Ministério da Justiça sugeriu menos liberalidade, com duas, e não quatro armas por pessoa, além da necessidade de renovação do porte já, não só daqui a dez anos, mas o decreto acabou sendo editado com uma cara mais parecida com o bolsonarismo.
– As críticas contra e a favor mostram que foi algo ponderado. Será permitido ter arma em casa, não sair por aí, ou comprar fuzis e armas automáticas. Não mexemos no principal, que é não ter antecedentes criminais, ter aptidão psicológica e treinamento técnico para manuseio – argumentou, avaliando que o decreto retira a subjetividade das regras anteriores.
– O decreto anterior não especificava o significado da efetiva necessidade, deixando para a discricionariedade do agente público. Antes podia ser “cara de bonzinho, libera arma; cara de malvado, não”? – brincou.
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Sobre a crise prisional, disse que vai puxar para o ministério a elaboração de projetos para que os recursos sejam melhor utilizados já que, conforme levantamento que apresentou, do bilhão liberado em 2018, do governo federal para os estados, apenas 2 em cada 10 reais foram usados na construção ou ampliação de presídios.
Sobre o pacote de ‘leis anticrime’, como chama medidas contra a corrupção e organizações criminosas, Moro foi hábil ao dizer que nada é “inegociável”, já que sabe da necessidade de aprovação do Congresso. Mas fez uma aposta de que a opinião pública vai sensibilizar os congressistas a aprovarem legislação que endurecerá a cana para muitos dos próprios políticos.
Sobre o silêncio no caso Fabrício Queiróz, Moro disse que não cabe a ele como ministro opinar, que o Coaf ganhou reforço de pessoal e a investigação da movimentação milionária do ex-assessor do clã Bolsonaro está sendo investigada pelo Ministério Público do Rio.
– O Coaf tem autonomia e liberdade, como todos os órgãos de fiscalização e controle. O MP do Rio investiga diversas pessoas, inclusive esse indivíduo – garantiu, dizendo não estar desconfortável pelo indício de corrupção envolver alguém próximo à família Bolsonaro.
– O presidente apresentou suas explicações e os fatos estão sendo investigados e apurados.
Sobre o caixa 2-do-caixa 2 de Onyx Lorenzoni, Moro esclareceu ter saudado a posição do ministro chefe da Casa Civil de reconhecer o erro e “arcar com as consequências”.
– Não se trata de ser implacável como juiz e mudar ao assumir como ministro. Deixei a magistratura, mas não abri mão de meus valores. Só não me cabe ficar falando sobre casos concretos, como ministros já fizeram no passado.
Sobre a última peça da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva ter alegado parcialidade no julgamento por ele, Moro, ter aceitado cargo no governo eleito após o ex-presidente ser tirado das urnas, o ex-juiz disse que “Lula faz parte do meu passado, não do meu presente ou futuro”.
– A decisão de condenação foi confirmada por três desembargadores no tribunal de apelação (TRF-4). Fato é que a Petrobrás foi saqueada durante o governo do ex-presidente num volume sem paralelo no mundo. Onde foram parar os R$ 6 bilhões desviados? Enriqueceram ilicitamente diversos agentes públicos e financiaram campanhas, além de beneficiar pessoalmente o ex-presidente, conforme a sentença – argumentou, concluindo que “o escândalo aconteceu debaixo das barbas do ex-presidente”.
– Governo não pode ser problema de polícia. Estávamos indo para uma cleptocracia, um governo de ladrões – disse, debitando na conta da corrupção “o cidadão desconfiar da democracia” e o sentimento de “saudosismo com o regime militar”.
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O caso Cesare Battisti – condenado à revelia por, em 78, como integrante das Brigadas Vermelhas, supostamente ter sequestrado e assassinado, entre outras três vítimas, um parente distante do ex-juiz, o ex-primeiro ministro Aldo Moro – foi pretexto para mais críticas aos governos do PT.
– O Brasil errou ao conceder um asilo com feições político-partidárias. Agora um terrorista vai pagar pelos crimes que cometeu. Não é um troféu, mas um recado de que o Brasil não é refúgio para criminosos de nenhum tipo.
Vaidoso, como bem retratou a imperdível, por controversa série Netflix O Mecanismo, Sérgio Moro não disse não à possibilidade de, em dois anos, ser indicado pelo presidente como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
– Agora estou preocupado em fazer meu trabalho.
E sorriu, visivelmente embevecido, ao ser apontado como presidenciável em 2022.
– Não há nada disso, vocês é que falam.
Sobre seus receios, mostrou que sabe no que se meteu:
– Meu medo é não cumprir as expectativas.
A entrevista foi monocórdica em polêmicas, como é o tom de voz do herói da Lava Jato aprovado por seis a cada dez em pesquisa divulgada em dezembro pelo Barômetro Político Estadão-Ipsos.
Inegável é que Sérgio Moro é hoje um político. E daqueles de boa e agradável lábia. Inevitável então, como ser da política, e ainda popularíssimo, estar na linha de sucessão presidencial, com todo ciúme, sabotagens e instintos mais primitivos que isso provoca. Como no poema de Machado de Assis, não faltarão moscas azuis a sobrevoar o cabelo bem aparado do grande troféu do governo Jair Bolsonaro.
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