cervejas especiais

Na Lei da Pureza ou fora dela, Prost!

Não basta ser repórter, tem que participar - e beber | Rodrigo Becker/SEGUINTE:

 

No dia em que se comemora os 500 anos da Reinheitsgebot – a Lei da Pureza da Cerveja Alemã -, o SEGUINTE: foi ouvir cervejeiros da cidade. E eles se dividem entre os que defendem a regra e os que acham que o sabor surge quando se passa ao largo dela

 

Se você é cervejeiro ou pensou em ser já ouvir falar da Reinheitsgebot, a Lei da Pureza da Cerveja Alemã. A regra – que define os ingredientes da cerveja como água, malte de cevada, lúpulo e levedura de cerveja – é o ponto de partida para quem deixa de ser apenas um apreciador da bebida e passa a etapa da fabricação, seja ela caseira e artesanal ou com elementos mais profissionais.

Mas será que cerveja boa só pode ser feita assim?

– Não. Tem muita cerveja boa sendo produzida fora das regras da Lei da Pureza – indica  o cervejeiro, sommelier e sócio da Cervejaria Sesmaria, no Parque dos Anjos, Rafael Fernando.

 

Leia também: reportagem de Marcelo Crescenti, para BBC Brasil, conta a história da Lei da Pureza

 

A Lei da Pureza foi decretada em 23 de abril de 1516 por Guilherme IV, Duque da Baviera. É apontada como a mais antiga regulamentação alimentícia ainda em vigor no mundo. Na época, se acrescentavam produtos ao preparo da cerveja de que não se tinha certeza sobre os efeitos sobre o organismo humano. Além das ressacas, a cerveja também provocava, em alguns casos, disenterias e intoxicações.

A Lei de Guilherme acabou com isso – mas tinha também motivos econômicos por trás da decisão.

– Havia, naquela época, uma disputa pelo trigo que era usado também para fazer pães. então, o duque decreta que só se pode usar cevada na cerveja – conta Rafael Fernando.

 

: Rafael Fernando é adminstrador, mestre cervejeiro e sommelier de cervejas

O lúpulo também tem uma história parecida. Nos mosteiros, os frades produziam cerveja com um preparado de ervas que garantia o amargor ao produto final. Com o tempo, passaram a vender esse preparado, já que a cerveja se constituía em uma produto muito utilizado na alimentação dos trabalhadores e feito em quase todas as casas da Baviera.

– Com a exclusividade do uso do lúpulo, ele tirou o monopólio da produção da cerveja das mãos dos frades – resume Rafael.

 

Outro Rafael, o Santos, dono da Crowd Beer também sommelier de cerveja, conta que o Brasil adotou os ensinamentos das diversas escolas cervejeiras do mundo e, por isso, a Lei da Pureza não se tornou um imperativo por aqui.

– Há quatro grandes escolas: a alemã, a belga, a britânica e a americana. O Brasil é um mix de tudo isso. Por isso, a Lei da Pureza virou "Lei da Zueira" por aqui – brinca.

Segundo ele, existem cervejarias importantes que só produzem de acordo com a regulamentação bávara.

– A Abadessa, por exemplo, tem um cervejeiro alemão e ele só faz cerveja segundo a regra.

Outras, preferem ousar – como é o caso da Sesmaria.

– No Brasil, temos uma variedade de produtos naturais gigantesca e a Lei da Pureza no impediria de usá-los nas nossas bebidas – defende Rafael Fernando da Sesmaria.

Rafael Santos vê na Lei da Pureza e nos que preferem não segui-la oportunidades de experimentar sabores novos.

– Acho bacana quem segue a Lei da Pureza. O resultado é uma cerveja para tomar sem medo. Mas há outros estilos e sabores tão bons quando para experimentar por aí.

 

Durante a conversa com o SEGUINTE:, Rafael Fernando serviu duas cervejas de sua produção. Uma American Wheat chamada Capitão Saldanha, feita em base de trigo e com aroma característico que lembrou, ao repórter, capim-cidreira. Muito refrescante e leve, fácil de tomar.

A segunda cerveja, Blonde Ale, é o carro-chefe da Sesmaria e se chama Capitão Jerônimo. É do tipo Belgian Blond Ale e leva a madeira de Amburana na sua maturação. Mesmo sendo uma cerveja mais forte, com teor alcóolico mais elevado – 7% – é suave ao paladar, com amargor menos pronunciado do que o estilo belga sugeriria a princípio.

– Cerveja com madeira de amburana estaria fora da Lei da Pureza – comenta Rafael Fernando.

 

: Rafael Santos trabalhava com móveis quando decidiu ser sommelier de cervejas

Na Crowd Beer, a rodada foi de chopp IPA feito pela também gravataiense Gazzapina. Tem amargor bem pronunciado, característico das Indian Pale Ale. O sabor caramelo queimado também não foge às regras do estilo.

 

Adriano Souza, que chegou ao Crowd Beer durante a entrevista com Rafael Santos, não fugiu da pergunta: e aí, a Lei da Pureza vale ou não vale?

– Vale, acho que é um bom começo. Quem domina a técnica aprende a extrair sabores diferentes dos mesmo produtos. Os resultados podem ser muito bons.

Adriano é cervejeiro caseiro há três anos e vem experimentando a adição de temperos e raízes à sua produção. Na última 'fornada', conta, fez uma cerveja tipo belga com camomila e coentro. A próxima será uma Balt Porter para guarda em barril.

– Em casa, faço de 20 a 50 litros – diz Adriano, que titulou sua cervejaria de Birra Colodel.

Ele parte, agora, para os sabores mais exóticos.

– Fiz uma Saison com alecrim, gengibre e páprica apimentada.

 

Obedecendo ou não a Lei da Pureza, todos os cervejeiros concordam que o movimento de cervejas especiais veio para ficar.

– Não é uma onda. Nos Estados Unidos, as cervejas artesanais e especiais movimentam algo com 5% do mercado. No Brasil, podemos chegar a isso também – acredita Rafael Santos, da Crowd Beer.

Ele faz cerveja há seis anos desde que decidiu abandonar o trabalho com uma empresa moveleira e se dedicar a algo que lhe dava mais prazer.

– O movimento se estabeleceu, está começando, mas já tomou um tamanho que não tem recuo. A cerveja tipo IPA, por exemplo, tem seus seguidores. Festivais só para ela.

Rafael Fernando, da Sesmaria, vai na mesma linha.

– Acredito que a crise até leve algumas microcervejarias muito pequenas ou com produção irregular a passar por dificuldades e até fechar, em alguns casos. Mas as pessoas que aderiram às cerveja especiais vão garantir a continuidade desse mercado. Quem toma uma cerveja especial de qualidade não quer voltar para as mais comuns.

Para ele, 2016 e 2017 serão anos de cervejas de guarda – aquelas que permanecem por mais tempo em contato com produtos que lhe adicionam sabor e características especiais. A Sesmaria, por exemplo, aprontou em janeiro uma Russian Imperial Stout que deve ser aberta em junho, para o Festival de Cervejas de Inverno que chega a sua segunda edição em 2016.

 

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