A quarta-feira (13) entrou para a história política brasileira por ter sido o dia em que foram entregues as alegações finais da defesa do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 70 anos, e outros sete réus na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), onde estão sendo julgados da acusação de terem praticado cinco crimes, entre eles a formação de uma organização criminosa para dar um golpe de estado. No dia seguinte, quinta-feira (14), o processo entrou na sua fase final e a previsão é de que a sentença saia em setembro. Justifico a homenagem à quarta-feira explicando que a data marca uma das raras vezes na história do país que golpistas foram a julgamento, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, com os autores do golpe de estado de 1964, quando as Forças Armadas derrubaram o presidente João Goulart (1919 – 1976), o Jango, um gaúcho de São Borja, membro do antigo PTB. Os militares governaram o país por 21 anos, deixado um rastro de execuções de presos políticos, torturas e hiperinflação. Não vou falar sobre os conteúdos das alegações finais da defesa de Bolsonaro e dos demais acusados por ser um assunto que está sendo tratado online pela imprensa. Vamos conversar sobre o significado da quarta-feira.
Antes de seguir a conversa, em obediência ao manual do bom jornalismo, vamos contextualizar a história do julgamento. A investigação da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe indiciou Bolsonaro e mais 33 pessoas, sendo que 27 são militares da ativa, da reserva e reformados. Um deles é general reformado Walter Braga Netto, 68 anos, que foi ministro da Defesa e candidato a vice-presidente na chapa do ex-presidente quando ele concorreu à reeleição, em 2022. A Procuradoria-Geral da República (PGR) dividiu os 34 indiciados em quatro núcleos. Bolsonaro e outros sete foram incluídos no chamado Núcleo Crucial, que são os organizadores do golpe. Os integrantes dos outros três núcleos também estão sendo julgados. Terminada a contextualização, voltemos a nossa conversa. A importância da quarta-feira não tem só a ver com o passado. Mas com o futuro, por ser uma data que lembrará que a luta pela democracia é permanente. Vou explicar. No mês passado, o presidente americano, Donald Trump (republicano), 79 anos, tarifou em 50% os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos e colocou como condição para discutir a taxação a anistia a Bolsonaro e seus seguidores. Claro, o governo brasileiro recusou-se a discutir a anistia por considerar uma intromissão estrangeira nos assuntos internos. Desde então, os ministros da Primeira Turma, principalmente o relator do processo do golpe, Alexandre de Moraes, 56 anos, vêm sofrendo uma série de retaliações do governo Trump, como o cancelamento do visto americano. Moraes ainda foi enquadrado na Lei Magnitsky, que autoriza o governo dos Estados Unidos a punir aqueles que considera violadores dos direitos humanos. Embora seja uma legislação americana, ela acaba valendo em todos os lugares do mundo – há abundância de matérias disponíveis na internet. Por congelar os ativos das pessoas enquadradas na Magnitsky, é conhecida como “morte financeira”. Como Trump se envolveu na tentativa de golpe no Brasil? É uma história que sempre repito quando há uma oportunidade, por considerá-la importante.
Ela começa em 2019, quando Bolsonaro assumiu o seu mandato. Na ocasião, não passava pela minha cabeça que ele tentaria dar um golpe de estado. Apesar de, nas três décadas em que foi deputado federal pelo Rio de Janeiro, ter usado o fato de ser capitão reformado do Exército para defender os golpistas de 1964. Por ter uma atuação parlamentar sem brilho, ele pertencia ao “baixo clero”, como a imprensa apelidou os deputados que não se destacam no plenário da Câmara. Bolsonaro conseguia espaços na imprensa falando absurdos que acabavam nas páginas dos jornais. Eu o classificava como um bravateiro. Mas estava enganado. Bolsonaro colocou mais de 6 mil militares de várias patentes – ativa, reserva e reformados – ocupando postos-chave na administração federal. Consolidou-se como uma figura de destaque na extrema direita mundial quando negou o poder de contágio e letalidade do vírus da Covid-19 durante a pandemia (2020 – 2023) que matou centenas de milhares de pessoas ao redor do mundo, sendo 700 mil apenas no Brasil. Esta história é contada nas 1,3 mil páginas do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, a CPI da Covid, que repousa nas gavetas de Brasília (DF). Na época, Bolsonaro era seguidor político de Trump. Os dois tinham em comum as bravatas. Trump concorreu à reeleição em 2020, e foi derrotado pelo democrata Joe Biden, 82 anos. Em 6 de janeiro de 2021, ele incentivou um grupo de 1,5 mil seguidores a invadirem o prédio do Capitólio, em Washington, para impedir a sessão do congresso americano que ratificaria a vitória de Biden. Na invasão, foram mortas seis pessoas, dezenas ficaram feridas e cerca de 1,2 mil foram presas, julgadas e condenadas. Em 2022, Bolsonaro concorreu à reeleição e foi derrotado pelo atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos. Em 8 de janeiro de 2023, bolsonaristas acampados diante de quartéis invadiram e quebraram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no Congresso e no STF, localizados na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF). Mais de 1,4 mil pessoas foram presas e atualmente 141 permanecem na cadeia e 44 estão em prisão domiciliar, incluindo o ex-presidente. Em 2024, Trump foi eleito para o seu segundo mandato. Assumiu no dia 20 de janeiro de 2025 e seu primeiro ato foi conceder anistia para os condenados pela invasão ao Capitólio.
Aqui é o seguinte. No seu segundo mandato, o presidente americano tomou o cuidado de escolher os seus secretários (ministros) e outros funcionários de alto escalão apenas entre pessoas identificadas com as suas ideias. Alegou que, no primeiro mandato, foi boicotado pelos funcionários. No segundo mandato ressuscitou a estratégia do tarifaço. No início do ano, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), 41 anos, filho do ex-presidente, licenciou-se do seu mandato e mudou-se para os Estados Unidos com a missão de fazer lobby para convencer o presidente americano a pedir a anistia do seu pai e seus seguidores. Teve sucesso. O tarifaço de Trump contra o Brasil misturou questões políticas com econômicas, uma equação muito difícil de ser resolvida. Como esta história irá terminar? Difícil dizer. Mas uma coisa é certa: o julgamento dos golpistas na Primeira Turma do STF segue o seu caminho. Não funcionou a chantagem americana. Mais uma prova de que a democracia brasileira é jovem, mas tem musculatura para resistir a uma tentativa de golpe.