RAFAEL MARTINELLI

Não há risco de água das cheias mortais desabrigar famílias em Gravataí; A realidade impõe soluções ‘de estado’, não só ações emergenciais e achômetros

Rio Gravataí, nesta quarta, 6 de setembro

Vi pessoas apavoradas nas redes sociais com a declaração do governador de que a enchente no Vale do Taquari poderia chegar na bacia do Rio Gravataí. Talvez pelo ambiente de catástrofe, faltou assessoria, Eduardo Leite (PSDB). É zero a chance de comunidades – mesmo de áreas de risco, como Itatiaia, Amapá ou Barnabé – sofrerem com a monção das águas. Só, e talvez, se um meteoro caísse no rio Guaíba.

– Foi toda uma região afetada, em bacias que se conectam e que vão depois fazer essa água descer. A água que está no Vale do Taquari vai chegar à bacia do rio Gravataí – disse Leite, em entrevista coletiva no Palácio Piratini, na noite desta terça-feira, anunciando articulação entre o governo estadual e municipal para remover famílias.

– É um absurdo um governador dizer isso. Pode haver alguma entrada de água do Guaíba no Gravataí, mas não a esse ponto de causar prejuízo social na bacia do Gravataí. A água não tem como chegar a nenhuma comunidade de Gravataí – contesta Sérgio Cardoso, que é presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica da Bacia do Rio Gravataí.

O geólogo explica que no ciclone extratropical de junho – com duas mortes, mais de 8 mil pessoas com prejuízos pessoais, 2 em cada 10 moradias sem luz e a necessidade de mais de R$ 5 milhões em investimentos públicos para reconstruir o que foi destruído por ventos de mais de 100 km/h e uma chuva de 219 milímetro (o dobro da média histórica do mês) – a catástrofe foi causada pelas chuvas localizadas nos nove municípios da bacia do Gravataí: Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Glorinha, Gravataí, Porto Alegre, Santo Antônio da Patrulha, Taquara e Viamão.

A baixa do rio Gravataí entre ontem e hoje – 3,52m para 3,40 – sustenta a informação do especialista, baseada na geografia do Rio Grande do Sul.

Ao fim, a crítica pode parecer uma bobagem frente a 31 mortos, 67 municípios atingidos, 52 mil pessoas diretamente e 2,7 milhões indiretamente afetadas; ainda mais que se trata de um erro por zelo (desnecessário) e não descuido.

Mas associo-me à pauta porque esse tipo de achômetro mostra como falta profissionalização e políticas de estado – reforço: de estado, perenes, e não apenas ações emergenciais de governos de turno – para preparar nossas cidades, que é onde se pisa, para suportar desastres naturais e também para mitiga-los em territórios cada vez mais impermeáveis.

No ciclone que atingiu Gravataí, a Defesa Civil municipal precisou de barcos emprestados e voluntários. Reclamou-se também da falta de alertas e remoções prévias; o que se sabe na vida real uma impossibilidade.

Já no Taquari, lamentamos ontem a tragédia de uma mulher morta e um socorrista gravemente ferido após arrebentar cabo que os içava para helicóptero do telhado de casa quase coberta pelo rio.

Mas veja que se tratam de casos referente a falhas em estruturas paliativas, nas defesas civis e órgãos associados, não soluções estruturais com início, meio e fim programados.

O prefeito Luiz Zaffalon (PSDB) informou ao Seguinte: nesta quarta-feira que assinou contrato com empresa para Gravataí ter um plano de drenagem urbana. O prazo para elaboração é de um ano.

O que o plano vai apontar, em um município onde milhares de pessoas ainda vivem em áreas de risco, será um desafio para governos futuros. Chega-se a projetar um custo de meio bilhão em obras necessárias.

Para efeitos de comparação, o orçamento anual é de R$ 1 bi. O investimento feito neste governo, o maior da história, chegará a R$ 200 milhões em todas as obras, de ruas asfaltadas a creches e postos de saúde.

Reputo um horror politizar catástrofes – e assim analisei em junho, em Ciclone foi uma das maiores catástrofes da história de Gravataí: prefeito Zaffa faz o que pode, comunidade faz ainda mais; O rio que corre contra o oportunismo político –, mas frente a uma realidade que se impõe, precisamos achar saídas definitivas, nem que precisem ser pactuadas pelas forças políticas para ser executadas por uma década; enfim, as políticas de estado, que mencionei.

Fato é que a frequência dos ‘fenômenos naturais’ obriga a aumentarmos orçamentos, municipais, estaduais e federais para obras e remoções de família, além de recorrer a estudos técnicos e especialistas, que saibam que é o Gravataí que corre para o Guaíba, e não o contrário.

Conforme levantamento divulgado pelo jornalista Leandro Demori, o Vale do Taquari sofre com a segunda maior enchente de sua história. Das 10 maiores cheias documentadas, 7 aconteceram dos anos 2000 para cá, sendo três nos últimos quatro anos.

Gravataí, por sua vez, experimentou em junho a maior catástrofe de sua história.

Só em 2023 – até agosto o ano mais quente da história no mundo, conforme o observatório europeu Copernicus – quase 2 a cada 10 brasileiros tiveram prejuízos com chuvas e ventos.

O El Niño é um gigante real.

O aquecimento global não é um monstro infantil da menina Greta; recomendo a entrevista Eliane Brum: “O Brasil hoje é a periferia da Amazônia”, publicada hoje pelo Seguinte:.

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