Não é um presídio, mas uma creche pública o que provoca polêmica entre moradores de um nobre e tradicional bairro de Gravataí e a Prefeitura, desde que em novembro do ano passado o ex-prefeito Marco Alba (PMDB) assinou a ordem de construção da escola de educação infantil Bem-Me-Quer a cerca de 10 metros do pórtico de entrada do Residencial Dom Feliciano.
Na noite desta quinta, os 73 condôminos estão convocados para assembleia que tomará uma decisão que pode levar à paralisação das obras, que começaram dia 13 deste mês, e à consequente perda de uma verba de R$ 1,7 milhão para a abertura de 180 vagas para crianças de zero a três anos.
– Como síndico, posso dizer apenas que executarei o que a maioria decidir. Há moradores contra, a favor e ainda sem posição sobre a construção ali – antecipa José Carlos Ryzewski, que em nome do condomínio fechado já assinou ao final de 2016 procuração para o advogado Hercules Perrone levantar informações e, se necessário, ajuizar uma ação pedindo a suspensão das obras.
– Ninguém é contra creche. O que está em discussão é o local da creche – resume o famoso advogado da aldeia, ao receber o Seguinte: em seu escritório no prédio da Organização Schmitz, no Centro, entre uma coleção de pequenos sinos e relógios que marcam os horários de Porto Alegre, Nova York, Londres e Tóquio.
– Inclusive apresentamos uma alternativa à Prefeitura – acrescenta o morador não do condomínio, mas do bairro, que na terça-feira da semana passada foi o braço jurídico dos vizinhos em uma reunião com o prefeito interino Nadir Rocha (PMDB), a secretária da Educação Sônia Oliveira e o procurador-geral do município, Jean Torman.
– A menos de um quilômetro há área pública, de quase 3 mil metros quadrados e mais próxima ao Rincão da Madalena. Onde as obras estão sendo feitas é uma APP (área de preservação permanente) – aponta, citando um bairro que na aldeia é o primo mais pobre do Dom Feliciano, e usando como argumentos para condenar a escolha do local atual uma imaginada restrição ao uso dos condôminos e moradores do bairro do que chama de “praça” para um lazer de chimarrão, caminhada e passeio com animais de estimação, além de um suposto desrespeito ao Código Florestal, que proíbe edificações e o desmatamento a menos de 30 metros de cursos de água, como descreve o pequeno córrego que corta a área de 4.469 metros quadrados com frente para a rua José Henrique Barbosa dos Santos, e pela matrícula 104.374 do Registro de Imóveis prevê reserva para prédios públicos de um terreno de 2.469 m2 e outro de 1.952 m2.
– Não somos contra creche, aplaudimos. Mas, por que não construir em uma comunidade mais carente? – questiona o presidente da associação de – hoje 55 – moradores do bairro Edemar Matos, colocado ao viva voz do celular pelo advogado para relatar que em uma assembleia virtual, pelo WhatsApp, a ampla maioria não quer a creche ali.
– Não tem a ver com desvalorizar os imóveis, muito menos com o barulho das crianças – garante, ao ser perguntado.
O risco de perder a creche
Jean Torman, procurador-geral da Prefeitura de Gravataí, repetiu à reportagem o que disse no dia 17 à comitiva de moradores do bairro onde já estão instaladas três creches particulares.
– Não havia imóveis, nem outra área em condições na região central, onde está a quase totalidade da demanda de vagas por ordens judiciais – alerta, informando sobre as 789 liminares que obrigaram o governo a garantir inscrições, independente de classe social, em creches públicas já existentes ou, por exemplo, comprando todas as vagas em creches comunitárias ou ligadas à Associação do Bem-Estar do Menor (Abemgra).
Ainda no tapetão, uma restrição imposta pelo Ministério Público impede a Prefeitura, que projetava a liberação para construção de um prédio da Receita Federal, de usar a área alternativa indicada pelos moradores do Dom Feliciano e pesquisadas pelo Perrone, Warth & Advogados Associados.
– Compramos mais de mil vagas, além das duas mil da rede própria – dimensiona o problema o procurador, citando estudo do Tribunal de Contas do Estado (TCE) que calcula em mais de 5 mil a necessidade de vagas para que nenhuma criança até três anos, pobre, rica ou remediada, fique sem creche.
A obra da polêmica é uma das emergências num pacote de seis escolas infantis que a Prefeitura está habilitada a construir após se livrar da construtora imposta pelo governo federal, que quebrou após concluir apenas quatro de 208 creches no Rio Grande do Sul, deixando obras paradas e materiais deteriorando por municípios país afora.
– Serão mais mil vagas – calcula o procurador, lembrando que a Bem-Me-Quer, nome da nova creche, já funciona em uma mansão alugada a menos de um quilômetro de onde terá sua sede própria e, só ela, ampliará as vagas de 80 para 180.
Jean alerta que qualquer alteração no projeto original levará à perda dos recursos, vinculados ao Fundo Nacional de Educação (FNDE).
– Voltaremos à estaca zero, depois de um incansável trabalho de dois anos para conseguir a aprovação do governo federal, dentro das normas e com autorização da Câmara de Vereadores – assusta-se, explicando que está projetada a transformação em um parque do restante do terreno, preservando a mata ciliar e o pequeno curso de água, no entorno da creche, que já está com a terraplenagem avançada, tem previsão de receber as primeiras crianças em fevereiro do ano que vem e informa em uma placa um investimento de R$ 1.773.665,11, e não de R$ 4 milhões como, talvez não maldosamente, mas de forma desinformada, por ser o valor de três creches na região, postagens em grupos internos de moradores whatszapearam entre ameaças de fazer campanha contra a reeleição de Marco Alba, que quando prefeito comprou a briga e, entre os pedidos que fez ao prefeito interino Nadir Rocha, pediu atenção especial às obras nas escolas infantis.
Sofias
Ao fim, o que está em jogo a partir das 19h, na assembleia entre os muros protegidos do condomínio de classe média alta, e possivelmente ao tempo em que a GloboNews estará ligada em muitas casas informando sobre os horrores da crise prisional, é o “sim” à sequência da obra, ou o “não” que levará a uma apelação ao Poder Judiciário que pode, num cenário mais kafkiano, fazer com que a Prefeitura perca o dinheiro para construir uma creche pública.
Mais que uma escolha de Sofia, uma escolha por sofias.
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