Duas notícias chocaram o RS no início do mês. Uma mulher dopou o filho de 7 anos, e pensando estar sem vida, jogou o corpo num rio. Outra mulher, que tinha depressão grave, cometeu suicídio ateando fogo no carro onde estava com a filha, também de 7 anos.
Histórias assim nos chocam porque confrontam algumas ideias que são senso comum:
“Toda mulher nasceu para ser mãe.”
“Mulher nasce com instinto materno.”
“Ser mãe é trabalhoso, mas mulheres são muito fortes.”
São verdades enganosas…
A maternidade é uma vocação. Significa botar no mundo um ser que depende de você 24 horas por dia. Que vai mudar seu sono e sua rotina. E quando a cria cresce, não pense que fica mais fácil cuidar. Enquanto você carrega no colo, sempre sabe onde o filho está. Depois que precisa soltar pro mundo, até quem é ateu aprende a rezar.
É uma missão de muita entrega e de responsabilidade profunda, porque suas decisões não dizem mais respeito só a você, mas interferem em outra vida. As escolhas de uma mãe (e de um pai também) podem construir ou destruir o futuro de uma criança.
Concordo com quem diz que filho é uma benção. Crianças são energia florescendo, nos fazem sorrir das coisas mais simples (falou a tia boba aqui). Mas se as alegrias são muitas, as demandas são imensas. E o medo de fazer algo errado? Ser mãe e pai é tensão constante.
Por isso que afirmo que nem todo mundo tem estrutura psicológica para ter filho. Quem me vê com meus sobrinhos e primos diz que eu seria boa mãe, mas me conheço o suficiente para saber que privação de sono, rotina bagunçada e sobrecarga mental me tiram do eixo. Ter jeito com criança não significa dar conta 24 horas por dia, 7 dias por semana.
É sério, já tive crises de pânico só para dar conta da minha vida, imagina com um filho?
Consigo imaginar o desespero da mãe que incendiou o carro. Não quero julgar a família, que já deve estar sofrendo muito, mas não entendo como o médico liberou a moça para esse passeio. Pelo desfecho, é claro que ela não estava em condições nem de ficar sozinha, muito menos com a filha.
Talvez porque o pensamento padrão é “pode ser que ver a filha a faça bem…” Quando na verdade, a maternidade deixava aquela mulher desesperada. E estar com a filha foi o gatilho para o surto final.
Até aqui os “cidadãos de bem” entendem, afinal, ninguém escolher estar doente da cabeça. Mas quando uma mãe supostamente sã fala qualquer coisa sobre precisar de ajuda, sobram dedos apontando:
“Quem pariu, que embale!”
“Quis abrir as pernas, agora se vira!”
“Filho é que nem pum, cada um que lide com o seu.”
Até parece que a criança é uma punição que a mulher recebe por ter “cometido o pecado” do sexo. Uma visão um tanto contraditória, porque é vinda das mesmas pessoas que dizem que filho é benção. Na verdade, é uma opinião egoísta, e que sobrecarrega ainda mais as mães, que em muitíssimos casos criam sozinhas os filhos.
Concordo com um provérbio africano que diz “É preciso uma aldeia para se educar uma criança”. Seria muito mais leve para as mães e mais rico para as crianças, que ganham mais aprendizados. É algo a refletir: será que não involuímos, quando nos afastamos da convivência de tribo?
Mas voltando às notícias: a mãe que jogou o corpo do filho no rio também o obrigava a copiar frases que depreciavam a criança. Dentre outras crueldades. Pelos relatos, parece se tratar de uma mãe narcisista. São mulheres incapazes de sentir afeto. Muitas vezes, acabam tendo filhos por interesse, como conseguir uma gorda pensão alimentícia.
Quando não acaba fisicamente com o filho, a mãe narcisista destrói a autoestima, quase sempre até a vida adulta. Imagina ter sua pior algoz dentro de casa, e ainda ter que ouvir a sociedade repetindo a todo momento que “toda mãe é boa” e que “mãe é sagrada”? Nem imagino a dor!
Claro que muita gente deve estar pensando que se a mulher não tem condições ou não se sente preparada para ser mãe, que se previna… Seria ótimo se fosse tão simples. Nenhum método contraceptivo é 100% eficaz. Várias mulheres não podem tomar hormônio, outras não se adaptam ao DIU. E há homens canalhas que tiram o preservativo durante o ato.
Precisamos também olhar para fora da nossa bolha. Provavelmente quem lê essa coluna tem instrução, mas muita gente nem sabe direito como acontece a concepção. Nem que a pílula precisa ser tomada sempre no mesmo horário (ou bem perto) e que muita coisa pode interferir na eficácia. Também tem gente que bota fé no coito interrompido e na tabelinha. Acreditem, tem muita mulher adulta que acha que a menstruação e a urina sem pelo mesmo orifício.
Educação sexual é uma necessidade no nosso país, mas é tratada como algo obsceno.
Enquanto seguimos tratando o sexo como tabu, mais filhos não planejados vêm ao mundo. E quando se fala daquelas que os geraram, existem muito mais mulheres sobrecarregadas do que supermães.