Esses dias achei uma caixa de cadernos da segunda, terceira série. Havia um texto copiado do quadro, com alguns apontamentos gramaticais. O texto era sobre o papel da mulher na sociedade. 1993. Era breve e, suscintamente, as descrevia como pessoas responsáveis pela limpeza da casa, cuidado com os filhos e, se possível, auxiliares do homem no sustento da casa. Passei o olho e segui lendo outros ditados e desenhos que fizera quando criança, até refletir que fui criado sob aquela cultura de papel coadjuvante da mulher. Como eu não tive professores homens até a quinta série, aquele texto havia sido trazido por uma professora. Mulher.
Nos tempos de escola, invariavelmente, eu era o aluno mais feio da sala. Se não, pelo menos o mais esquisito. Sempre fui muito alto, e na época, tinha uma magreza esquálida. A partir do fim do ensino fundamental, pelo meu fracasso constante com as meninas, já passei a ser classificado na tribo dos peganing (traduzindo: pega ninguém). Eu levava na boa, aliás, não é sobre bullying que eu quero falar. Os caras mais populares do colégio se gabavam de pegar todas. De certa forma, os admirava. Invejava. As meninas mais lindas, naturalmente, também namoravam mais. Lei universal da oferta e da demanda. Mas isso não virava um valor a ser admirado, nem pelas mulheres. O que me remete à conclusão que o machismo não se resume aos homens, mas à sociedade de modo geral.
Devo admitir que comecei a ler e entender um pouco mais a causa das mulheres que querem igualdade de direitos e tratamentos quando me tornei pai de uma menina que, ali na frente, será mulher. Que vai andar na rua e levar cantada de um desconhecido, que vai precisar se capacitar muito mais para ganhar o mesmo que um homem com as suas mesmas habilidades, que vai ter má fama se quiser curtir a vida como os jovens meninos da sua idade fazem – para orgulho dos seus papais macho-alfa -.
Agora, uma menina de 16 anos foi estuprada por mais de 30 homens, que logo após, postaram vídeos nas redes sociais, como se ali houvesse um troféu de toda a construção de valores a que foram submetidos desde que nasceram. Apenas quando o machismo parece ser patológico, chegando a um caso extremo como esse, que acabamos refletindo enquanto sociedade.
Os terroristas se explodem com bombas espalhadas pelo corpo para ganharem 40 virgens no céu. O inverso seria estupro coletivo. Fica muito claro que o senso comum, historicamente, tratou as mulheres como objetos de conquista. Eu quero que a minha filha seja tratada na infância, na adolescência e na fase adulta, com o respeito que eu, homem, sempre tive. Ninguém merece ser estuprada, independente do ambiente a que estão inseridas, da classe social ou do comprimento da saia.