O grande paradoxo da humanidade sobre quem somos e porque estamos nesse mundo pouco importava à Berta. Aliás, ela sabia bem o que fazia no seu mundo e no Mundo do Trabalho. Para a biomédica, mesmo as notas razoáveis e a falta de uma segunda pós-graduação não importavam.
Até queria viajar mais, mas sentia que logo iria realizar esse desejo. Ela fazia seu trabalho e acreditava que o fazia bem. Tinha a sorte de ter bons colegas e superiores coerentes que lhe davam feedback, salário e benefícios pagos em dia, um carro popular novinho e era razoavelmente bonita, como ela mesma se descrevia.
E mesmo passando dos trinta, não se lembrava de ter vivido angústia parecida com a relatada pelos amigos naqueles happy hours em que as primeiras duas horas eram de lamentações sobre o lugar onde trabalham. Com o passar do tempo, foi se perguntando se era realmente normal não ter os mesmos problemas.
Talvez fosse “acomodada”, “suscetível”, “permissiva”. Começou a fazer terapia uma vez por semana, yoga e meditação, cursou teatro, escreveu poemas e, depois de um ano e sete meses, aprendeu mais ainda sobre si mesma e se deu conta de que não precisava mudar nada.
Sábado pela manhã, pedalando até a padaria, viu um cartaz que dizia “A caminhada começa ao caminhar”. Fotografou com o celular, postou no Instagram e escreveu uma legenda em referência ao poeta espanhol Antonio Machado Ruiz: “caminante, no hay camino: se hace camino al andar”. Antes de voltar ao selim, sentiu um calor que subia pela nuca até o topo do crânio e entendeu que era livre.
A sua maneira e da forma como gostaria que fosse o mundo, ela era.
Ao longo de toda a vida, da escola à maternidade, nada lhe trazia arrependimento. Sentia que aquilo era, naturalmente, a sua vida. Não seria um sucesso de bilheteria no cinema, nem o mais acessado dos canais do youtube, mas era a sua história e ponto.
Refletiu mais um instante sobre cada passo até ali e lembrou que nem sempre o desejo de vencer lhe deu a vitória, mas tentou e não amaldiçoou a derrota. A quem lhe quis o mal, compartilhou o que tinha de melhor sem nunca menosprezar o outro e sempre encontrou as saídas que buscava.
Antes de guardar o celular na bolsa à tiracolo, conferiu as curtidas do post, sorriu sem saber por que e voltou a pedalar.