Como apaixonada pelas palavras que sou, chego a sentir dor com coisas que leio por aí, com nosso idioma sendo utilizado de forma bem equivocada. Sei bem que a língua é viva e está sempre se transformando, e talvez eu seja um pouco chata, mas custa tanto aprender o básico sobre origem e significado das palavras? Talvez me incomode tanto porque esses “erros” são nitidamente falta de leitura e compreensão da famigerada Língua Portuguesa, sabem?
Além de jornalista e escritora, sou filha de professora de Português, cresci lendo os livros didáticos da minha mãe e amava estudar os vocabulários que vinham ao final de cada texto. Também lia de cabo a rabo as listas de prefixos e sufixos gregos e latinos. Sempre achei fascinantes os conteúdos de etimologia (estudo da origem e evolução das palavras) e da semântica (estudo dos significados das palavras).
Depois, estudando e vivenciando o jornalismo, aprendi que não existem sinônimos perfeitos. A gente usa palavras de sentido semelhante para evitar que o texto fique repetitivo, para melhorar a fluidez da narrativa, mas, tirando raras exceções, só existe uma palavra que diz exatamente o que queremos dizer. E como a gente sabe quando o sinônimo cabe? Bom senso, leitura e estudo, crianças… Mas o que tenho visto por aí (até em textos jornalísticos, para meu horror) é a tentativa de “escrever bonito” com a escolha de palavras mais elaboradas, quando na verdade, os termos simples é que seriam corretos.
Quando foi que começou essa moda de usar “inúmeros” para qualquer quantidade muito grande, ou nem tão grande assim? O prefixo i- significa “negação”. Logo, inúmero é algo que não se pode numerar ou quantificar. Mas quase todo dia alguém usa essa palavra para adjetivar algo perfeitamente mensurável. Se é possível quantificar algo, mesmo que você não saiba esse número, fica incoerente usar “inúmeros”, caramba… Qual o problema com a palavra “muitos”? Pode até usar “milhares” se quiser colocar uma hipérbole, mas a maioria nem entende figuras de linguagem.
Outra “praga” da atualidade é o uso do termo “possuir” para qualquer construção, como se a singela palavra “ter” fosse simples demais. Só que “possuir” é “ter a posse de”. E ninguém tem a posse de um filho ou de um sonho, né? Possuir só cabe para coisas concretas, materiais, entendem? E mesmo para essas, o singelo “ter” muitas vezes é mais sonoro. E mais objetivo também. Comunicação não é sobre usar palavras bonitas, mas sim sobre passar uma mensagem. E o que tem acontecido é que, na tentativa de deixar o texto pretensamente mais erudito, a coesão e a coerência se perdem no caminho. Se você não sabe o que é coesão e coerência, volte duas casas e vá estudar antes de escrever um texto.
Já o verbo “arruinar” sendo usado para toda e qualquer situação ruim parece ser um daqueles casos de má tradução do inglês, visto que esse termo aparece muito em sites que usam textos traduzidos. Só que em português, arruinar significa “pôr em ruínas”, ou seja, destruir de forma devastadora. Será que eu sou cri-cri demais por achar estranho usar o termo em situações que, embora desagradáveis, não acabaram completamente com a festa, o relacionamento ou seja lá o que for? Para mim soa como uma tentativa de fazer a situação parecer mais dramática do que realmente foi. E mesmo que esse seja o objetivo do autor, seria muito melhor fazer isso descrevendo o acontecido com detalhes certeiros.
E quando foi que passou a ser aceitável escrever que uma pessoa “virou” atriz, cantora, escritora ou qualquer outra atividade? Virar é mudar de posição, de lado… até entendo o raciocínio de quem usa esse termo para referir-se a uma guinada na vida, mas soa como se bastasse decidir abraçar outra carreira e você automaticamente já se transforma naquele tipo de profissional. E, na verdade, é um processo que acontece aos poucos. Com muitas dúvidas e percalços nesse caminho, inclusive. Vivendo várias experiências naquela nova área até sentir que pode dizer que É um ator, cantor, escritor… Sei que às vezes a gente precisa dar uma informação da forma mais curta possível, especialmente em títulos, onde talvez não caiba a expressão mais correta. Mas será que, na maioria dos casos, não dava para escrever que “fulana vai atuar em filme/novela/série” em vez de “fulana vira atriz em tal filme/novela/série”? Há quem diga que é a mesma coisa… Mas não é.
Por fim, talvez o clichê do momento seja as expressões “não tive escolha”, “não tive opção” e similares. Praticamente em todas as novelas e séries que vejo essas construções têm aparecido nas bocas de vários personagens. E como um clichezão mesmo, praticamente uma forma de ressaltar que aquele era o único caminho possível naquela situação. Só que não é assim que as coisas funcionam, nem na vida, nem na ficção. Mesmo quando não há alternativas, há a escolha de fazer ou não fazer tal ação. E escrever histórias ou roteiros é basicamente conectar as escolhas que constroem tal enredo. Então, raramente esse recurso de dizer “não tive escolha” faz sentido dentro da narrativa. E quando falo em narrativas, incluo também as que a gente faz na vida real.
Então, exceto em casos muito pontuais, a gente sempre faz escolhas. Inclusive das palavras e expressões que usa em nossos textos, posts ou mensagens. Nossa língua “brasileira” é tão rica, cheia de expressões de várias origens… Vale conhecer mais do nosso vocabulário e sair dos “lugares-comuns” que são repetidos só porque você “leu em algum lugar”. Ou a tentativa de “escrever bonito” sai pela culatra e você mostra exatamente o oposto do que pretende: que não conhece bem seu idioma.
(A imagem é do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, lugar que todos deveriam conhecer, um espaço maravilhoso.)