A recente decisão da General Motors de ampliar a suspensão de produção na fábrica de Gravataí expõe, mais uma vez, a incerteza que experimentam cidades que orbitam em torno de uma gigante âncora econômica. Além dos contratos de 700 trabalhadores que já estão suspensos por dois meses, a produção vai parar totalmente por 11 dias entre maio e junho. Enquanto a montadora ajusta estoques e aguarda definições sobre políticas globais, Gravataí sente na pele os efeitos de uma relação que, inegavelmente lucrativa, é perigosamente assimétrica.
O caso de Gravataí serve como um alerta: em um mundo marcado por incertezas geopolíticas e mudanças aceleradas, a dependência excessiva de um único ator pode transformar prosperidade em fragilidade –– daí a preocupação do governo Luiz Zaffalon, assim como aconteceu nos governos de Marco Alba, em usar o lastro econômico proporcionado pela GM para contrair financiamentos, melhorar a infraestrutura local e atrair investimentos diversificados: os esforços para a transformação de Gravataí em pólo de logística são um exemplo vivo.
A GM não é apenas a maior empregadora de Gravataí; é parte do DNA econômico local. Responsável por quase metade da arrecadação municipal, cada paralisação da montadora gera um sismo de consequências.
A atual suspensão, que afeta 2 mil trabalhadores (incluindo fornecedores), representa uma perda mensal de R$ 5 milhões em ICMS, valor que só será sentido em 2026, devido ao regime de compensação, mais R$ 500 mil/mês em ISS.
O prefeito Luiz Zaffalon (PSDB) não esconde o sentimento de apreensão.
– É preocupante. É urgente o lançamento do Onix reestilizado. O mercado sabe que vai mudar e espera o novo. Os frotistas sabem que para revender após o uso é importante ter o atual. Vejo com preocupação este intervalo entre o anúncio e o lançamento – disse, nesta terça-feira, ao Seguinte:, também apontando como evidente que “os juros nas alturas restringem o financiamento”.
A fala revela a dualidade enfrentada por gestores públicos: como equilibrar a defesa dos interesses locais com a realidade de uma corporação global que prioriza sua sobrevivência mercadológica?
Cheios de estoque e incertezas no pátio
O cerne da crise está nos 20 mil veículos estocados no pátio da fábrica — quase três vezes acima do nível ideal. O Onix, outrora líder de vendas no Brasil, viu sua demanda minguar em 2024: apenas 97,5 mil unidades vendidas das 168 mil produzidas.
A expectativa pelo novo modelo, com design inspirado no Monza chinês e previsão de lançamento para agosto, explica parte da queda, como bem refere o prefeito. O consumidor, cada vez mais informado, prefere esperar por tecnologias atualizadas, mesmo que isso signifique estrangular temporariamente a produção.
Enquanto isso, os trabalhadores vivem um limbo. Apesar de garantirem salário integral (complementado pelo FAT e pela GM) e benefícios como 13º e PLR, a incerteza pesa.
– Entre demissões e lay-off, a melhor alternativa é preservar empregos – já resumiu ao Seguinte: Edson Dorneles, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Gravataí, que em negociação com a empresa conseguiu manter benefícios como o vale-alimentação de R$ 350 por funcionário, cuja suspensão retiraria cerca de R$ 1,5 milhão mensais da economia local, afetando pequenos comércios e serviços.
Se os estoques e os juros altos são o motivo imediato da paralisação, as sombras da geopolítica ampliam a crise. O adiamento de um investimento de R$ 4 bilhões pela GM no Brasil — originalmente previsto para maio — reflete temores com as políticas protecionistas de Donald Trump.
Ameaças de aumento de tarifas para importações chinesas e mexicanas, essenciais para a cadeia global da montadora, criam um cenário de “guerra comercial” que ressoa em Gravataí.
Mary Barra, CEO global da GM, já alertara em 2024: medidas protecionistas poderiam ter “efeitos dramáticos”, especialmente em veículos elétricos como o Tracker híbrido e a picape Silverado EV, planejados para o Brasil. O discurso de Trump contra o ‘Green New Deal’ e a indústria verde acendeu um sinal amarelo.
Paradoxalmente, o ‘tarifaço’ estadunidense pode inundar o Brasil com excedentes de montadoras de países penalizados, como México e Coreia do Sul, graças a acordos comerciais — um risco adicional para a GM e para Gravataí.
A GMdependência e o amor tóxico
Desde 1997, quando a GM confirmou a instalação no município, Gravataí vive uma relação de interdependência. A montadora responde por quase 50% da receita municipal, num orçamento municipal de R$ 1,4 bilhão em 2025, e cada movimento da empresa é sentido como um sismo que pode anunciar um potencial terremoto.
A própria GM reconhece essa simbiose, referindo-se à cidade como “interdependente” em eventos corporativos.
A crise na GM de Gravataí não é um incidente isolado, mas um sintoma de um mundo em transformação. Cidades que dependem de uma única indústria ou empresa estão cada vez mais expostas a choques externos — de mudanças tecnológicas a caprichos políticos.
Detroit (EUA) é hoje conhecida como uma ‘cidade fantasma’, após a queda populacional e econômica, a partir do declínio da indústria automobilística. A cidade enfrentou uma falência histórica em 2013, sendo a maior cidade dos EUA a declarar bancarrota.
Ao fim, não é torcida ou secação. Só falta alguém entender que acho ruim Gravataí ter a GM, ou que a GM é um ‘amor tóxico’! Mas o alerta me parece claro: nossa sobrevivência econômica sustentável exige diversificação e planejamento de longo prazo.
Bom é que a elite política de Gravataí demonstra entender o risco de restar como ‘cidade-empresa’, e se esforça para incentivar – e estruturar – novas potencialidades locais e atrair novos investimentos.