SONETO 795 DO DECORO PARLAMENTAR
– O ilustre senador é um sem-vergonha!
– O quê?! Vossa Excelência é que é safado!
E os dois parlamentares, no Senado,
disputam palavrão que descomponha.
Um grita que o colega usa maconha.
Responde este que aquele outro é viado.
Até que alguém aparte, em alto brado
anima-se a sessão que era enfadonha.
Inútil tentativa, a da bancada,
de a tempo separar o par briguento
aos tapas, se engalfinham por um nada…
Imagem sem pudor do Parlamento,
são ambos mais sinceros que quem brada:
– Da pecha de larápio me inocento!
SONETO 321 ESQUERDISTA
Enquanto os verdadeiros esquerdistas
apelam pra guerrilha e pro terror,
os intelectuais se dão valor
apenas porque pensam nas conquistas.
Cantores, professores, jornalistas,
o ator, o padre, o músico, o doutor
na feira das vaidades dão à cor
vermelha vários tons, marchands marxistas.
Prestígio tem aquele que se diz
das causas populares paladino.
Na prática, o guru se contradiz.
Anel, carro importado, vinho fino.
Ao cheiro do povão torce o nariz,
mas brinda ao seu Guevara, ao seu Sandino.
SONETO 323 DIREITISTA
Enquanto os verdadeiros direitistas
dão golpes e se instalam no poder,
eunucos patrulheiros do lazer
censuram filmes, vídeos e revistas.
Se julgam da moral especialistas,
ditando o que devemos ou não ler.
Masturbam-se, porém, sem poder ser
na prática os tais sadomasoquistas.
Fascismo pela imprensa é rotineiro.
Civismo pretextando, educadores
defendem a criança o tempo inteiro.
Mal sabem os palhaços ditadores
que os filhos não se trancam no banheiro
e agora acessam tudo, ao vivo, em cores…
SONETO 324 CENTRISTA
"Extremos nunca! Não me comprometa!"
Assim diz quem é neutro e não se alia
à febre material da burguesia
nem ao materialismo de caneta.
"Nem a favor, nem contra!" É uma ampulheta
parada, cuja areia entope a via
e nunca sai do horário: meio-dia.
Não caga nem levanta da retreta.
"Nem tanto ao mar, nem tanto à terra", diz.
"Nem oito, nem oitenta", diz também,
alheio à divisão dos dois Brasis.
É vaca de presépio e diz amém,
até que a voz das urnas ou fuzis
lhe jogue em plena cara quem é quem.
SONETO MASOQUISTA
Político só quer nos ver morrendo
na merda, ao deus-dará, sem voz, sem teto.
Divertem-se inventando outro projeto
de imposto que lhes renda um dividendo.
São tão filhos da puta que só vendo,
capazes de criar até decreto
que obrigue o pobre, o cego, o analfabeto
a dar mais do que vinha recebendo.
Se a coisa continua nesse pé,
acabo transformado no engraxate
dum senador qualquer, dum zé mané.
Vou ser levado, a menos que me mate,
à torpe obrigação de amar chulé,
lamber feito cachorro que não late.
SONETO 234 CONFESSIONAL
Amar, amei. Não sei se fui amado,
pois declarei amor a quem odiara
e a quem amei jamais mostrei a cara,
de medo de me ver posto de lado.
Ainda odeio quem me tem odiado:
devolvo agora aquilo que declara.
Mas quem amei não volta, e a dor não sara.
Não sobra nem a crença no passado.
Palavra voa, escrito permanece,
garante o adágio vindo do latim.
Escrito é que nem ódio, só envelhece.
Se serve de consolo, seja assim:
Amor nunca se esquece, é que nem prece.
Tomara, pois, que alguém reze por mim…
SONETO 241 ENSAÍSTICO
Chamemo-la de fase iconoclasta,
à minha poesia antes de cego.
Pintei, bordei. Porém não a renego.
Forçou-me a invalidez a dar um basta.
A nova não é casta, nem contrasta
com velhas anarquias. Só me entrego
ao pé, onde em soneto a língua esfrego.
Chamemo-la de fase podorasta.
Mas nem por isso é menos transgressiva.
Impõe-se um paradoxo na medida
da forma e da temática obsessiva:
Na universalidade presumida,
igualo-me a Bocage, Botto e Piva.
Ao cego, o feio é belo, e a dor é vida.
SONETO 251 QUANTITATIVO
Centenas de sonetos são legado
de nomes tidos como monumentos.
Apenas de Camões, mais de duzentos,
registro que é por poucos superado.
Não fossem os Lusíadas o dado
que faz dele o primeiro entre os portentos,
ainda assim Camões marca outros tentos,
e, entre outros tantos, este é consagrado:
"Sete anos de pastor", o vinte e nove,
que, se não for mais belo, é o mais perfeito,
a menos que em contrário alguém me prove.
Mas, como dois é dom, três é defeito,
também um "Alma minha", o dezenove,
ocupa igual lugar no meu conceito.
SONETO 351 KÁRMICO
Quinhentas e cinquenta e cinco peças
perfazem as sonatas de Scarlatti.
Nivelam-se, em altíssimo quilate,
à Nona, à Mona Lisa, qualquer dessas.
Farei tantos sonetos? Não mo peças!
É meta muito hercúlea para um vate!
Recorde desse porte não se bate:
no máximo se iguala, e nunca às pressas.
Já fiz mais que Camões, mais que Petrarca:
dois, dois, dois; três, três, três; de pouco em pouco,
que a lira também broxa… É porca. É parca.
Poeta que for cego, mudo ou mouco
compensa a privação com a fuzarca:
diverte-se sofrendo. É glauco. É louco.
SONETO 500 VICIOSO
Poema lembra amor, que lembra carta,
que lembra longe, e longe lembra mar,
que lembra sal, e sal lembra dosar,
que lembra mão, e mão alguém que parta.
Partir lembra fatia e mesa farta;
fartura lembra sobra, e sobra dar;
dar lembra Deus, e Deus lembra adiar,
que lembra carnaval, que lembra quarta.
A quarta lembra três, que lembra fé;
fé lembra renascer, que lembra gema,
a gema lembra bolo, e este o café.
Café lembra Brasil, que lembra um lema:
progresso lembra andar, que lembra pé,
e pé recorda alguém que faz poema.
SONETO 1000 AMEALHADO
Cinqüenta anos em cinco foi projeto
político e econômico em Brasília
quando esta se fundou, e hoje há quem grile-a
da Praça até às satélites, sem veto.
Mil gols Pelé emplacou e foi completo
no físico e no gênio. Só uma filha
e um filho lhe complicam a partilha
da fama e da fortuna, à parte um neto.
Embora meus tropeços, também busco
a marca que ninguém pode igualar:
sonetos por milheiro em prazo brusco.
Em cinco anos ter mil é um patamar
que até face a Delfino não me ofusco
galgando, pois lhe mordo o calcanhar!
SONETO 309 BUCETEIRO
Pequenos, grandes lábios, um clitóris.
Pentelhos. Secreção. Quentura mole,
que envolve meu caralho e que o engole.
Não saio até gozar, nem que me implores.
Diana. Dinorá. Das Dores. Dóris.
Aranha. Taturana. Ovelha Dolly.
Peluda, cabeluda, ela nos bole
na rola, das pequenas às maiores.
Buceta existe só para aguçar
a fome dos caralhos em jejum.
Queremos bedelhar, fuçar, buçar!
Agora não me falem do bumbum!
Do pé tampouco! Vou despucelar
o buço dum cabaço, ato incomum.
Para ler outros sonetos do poeta Glauco Matoso, acesse o site do Memorial.
Para saber sobre a trajetóriado poeta Glauco Mattoso, acesse a Wikipédia.