RAFAEL MARTINELLI

O airbag de Gravataí para segurar nova parada na GM; Lula, roube nosso desemprego!

Complexo automotivo da GM em Gravataí

Gravataí tem “gordura” para absorver a nova paralisação na produção da General Motors, a fábrica mais produtiva da montadora que, acelerada com três expansões e R$ 4,5 bilhões de investimentos desde a inauguração em 2000, emprega 5 mil pessoas e responde por praticamente metade do orçamento municipal bilionário.

A montadora anunciou parada de 10 dias, a partir da próxima segunda-feira até dia 22.

Para efeitos de comparação, o custo mensal da suspensão é de R$ 5 milhões, ou uma ‘Ponte do Parque dos Anjos’ a cada 30 dias, ou 5 reais por minuto.

Se as contas em dia servem de airbag para o lay off, Gravataí pode ganhar com a inclusão da GM no programa do governo Lula que incentiva a compra de carros populares.

O pacote, anunciado nesta segunda-feira, garantirá um bônus de R$ 2 mil a R$ 8 mil no preço de carros de até R$ 120 mil – desconto mínimo de 1,6% e máximo de 11,6% no valor.

Apesar da lista de carros de passeio popular ainda não ter sido divulgada pelo governo, o Onix produzido em Gravataí varia hoje, sem os incentivos, de R$ 82 mil a R$ 112 mil.

Em nota, a GM informou que as paradas nas duas fábricas – São José dos Campos (SP) também anunciou paralisação, entre os dias 12 e 23 – visam adequar os volumes de produção.

Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos, o motivo é o baixo desempenho do mercado, agravado nas últimas três semanas pela espera dos descontos, que leva o consumidor a adiar a compra.

– Há variáveis a considerar no anúncio da GM: se estão tendo alguma ociosidade diária, uma parada de dez dias não significa, necessariamente, redução na produção total do mês, por exemplo. O que temos até aqui é um bom desempenho do primeiro quadrimestre do ano sobre o mesmo período do ano passado, que já foi bem superior ao ano de 2021. Então, no acumulado, ainda que se percam esses dez dias, há uma gordura para queimar – tranquiliza o secretário da Fazenda Davi Severgnini, reconhecido por seu realismo ao publicizar os altos e baixos do orçamento municipal, que só na pandemia perdeu R$ 50 milhões em receitas; parte pelas interrupções na produção do complexo automotivo.

– Fechamos o primeiro quadrimestre 29% acima de 2022, que já foi 118% maior que 2021. Aí fica claro o impacto da pandemia em 2021 – informa; a ilustração está nas tabelas a seguir, principalmente a segunda e terceira.

Abaixo sigo.

Davi tem a expectativa de que o programa do governo federal para incentivar a compra de carros populares ajude a GM e, consequentemente, Gravataí.

– Sem dúvida – diz.

Agora analiso eu.

O programa de incentivos chega em um momento no qual as montadoras sofrem com o ‘efeito pena de morte’ dos juros altos, 8% real, denunciado inclusive pelo Nobel de Economia Joseph Stiglitz como “capaz de matar qualquer economia”, como já reportei em GM: após a festa dos 4,5 milhões de carros, a ressaca; A ‘pena de morte’ para Gravataí.

A expectativa em março era de que, sem uma mudança na política do Banco Central, ou uma intervenção do governo, como a que hoje ocorre, o quadro de desaquecimento de vendas se prolongasse até 2024, com constantes suspensão de produção, conforme estudo de economistas do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do banco Bradesco.

 “Ao contrário do último biênio, em que a oferta era a principal fonte de desafios da indústria automobilística, a demanda deve ser o fator-chave para o cenário de 2023-2024”, assinalou o Depec, em relatório assinado pelo economistas Renan Bassoli Diniz e Myriã Bast.

Para efeitos de comparação, em 2019, as vendas de veículos no Brasil foram de 2,787 milhões de unidades. No ano passado, esse número caiu para 2,104 milhões de unidades, 24,5% a menos.

E os estoques estão recompostos, com a retomada do fornecimento global de semicondutores, cuja falta fez com que no pico da pandemia os estoques correspondessem a apenas 10 dias de vendas.

Conforme o levantamento do Estadão, no fim de fevereiro havia 187,4 mil carros nos pátios das montadoras e das concessionárias, suficientes para 40 dias de vendas, acima da média normal que é de 30 a 35 dias.

Fernando Trujillo, consultor da S&P Global Brasil, disse à reportagem que o problema da falta de consumidores já vinha ocorrendo, mas no ano passado foi, de certa forma, “maquiado” pela falta de chips.

Ainda em março, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) projeta crescimento de apenas 4% nas vendas em 2023. A previsão é era de que boa parte dos mais de 600 mil carros que deixaram de ser produzidos nos últimos dois anos por falta de peças seria vendida neste ano.

– Isso não deve ocorrer diante da perda do poder de compra do consumidor, inflação e juros altos, restrição dos bancos na liberação de crédito por causa da inadimplência e indefinições de políticas econômicas por parte do novo governo – disse, à época, Trujillo.

Estudo da S&P Global, divulgado em março, mostra que a indústria automotiva brasileira opera com quase 40% de ociosidade. A capacidade produtiva do setor é de 3,6 milhões de veículos ao ano com a maioria das fábricas operando em dois turnos. Se fosse em três turnos, seria de 4,3 milhões de unidades.

– Além de ajustes com férias coletivas, como já está acontecendo, é possível que ocorram demissões – previu Trujillo.

Traduzindo do economês: tem carro no pátio, mas não tem gente com grana para comprar zero.

E, sem previsão na queda de juros pela ‘República do Banco Central’, é o programa de incentivos do governo Lula que pode ajudar a GM e as montadoras que produzem carros populares – e estão parando – a melhorar as vendas.

Por obvio, não é um programa para o ‘pobre’ comprar carro zero. É um socorro ao setor automotivo, que gera muitos – meio bilhão – e bons empregos e ajuda no crescimento da economia do país (corresponde a 2 a cada 10 reais do PIB brasileiro).

Ao fim, estado mínimo, máximo ou necessário à parte, fato é que toda ideologia precisa de um orçamento.

Aguardemos. Cometendo uma hipérbole, se restarmos absorvidos entre o capitalismo selvagem de Hong Kong e o comunismo domesticado da China, com Lula roubando nosso desemprego, já está bom.

Em meio às indefinições, a boa notícia do secretário do governo Luiz Zaffalon é que nossa aldeia está saudável para absolver a GM parada mais uma vez – ou, entre férias coletivas e suspensões, 10 meses entre 2020 e 2023.


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