Era o início de uma dessas tardes em que o frio nos obriga a andar mais rápido. Ia para a faculdade. No mesmo quarteirão, no lado oposto ao meu, uma moça e um moço seguem apressados.
Reconheço a mulher. É uma amiga da Universidade. Vou atravessar a rua para cumprimentá-la e, nesse exato instante, os dois param e se envolvem em beijo apaixonado. Obviamente, recuo de minha intenção. Sigo um pouco mais para atravessar a rua.
Os enamorados, alheios aos olhares de transeuntes ou de possíveis bisbilhoteiros nas janelas dos prédios que circundam a faculdade, continuam em seu enlevo. Então, acontece a abrupta interrupção da jovem moradora de rua que, em ritual diário, perambula naquele entorno em busca de dinheiro para o crack.
A moça, em sua angústia para usar a pedra, pouco se importou se aquele era um momento de ternura entre dois amantes.
Ela está sempre por ali a pedir. Não sei se o casal deu algum dinheiro, pois atravessei a rua e cruzei o portão da faculdade.
Vi a beleza do amor em um beijo e a cena iluminou o meu dia. Vi a feiura da doença pelo vício e a cena entristeceu meu coração.
Pela aparência, as moças do beijo e da pedra têm a mesma faixa de idade. Estão no mesmo tempo e lugar, mas seus mundos e vivências são muito distintos.
Meu olhar trouxe-me para a minha realidade.
Escrevi para contar que as moças do beijo e da pedra agora fazem parte desta realidade e assim será enquanto eu viver ou tiver memórias da vida que vivo.