Faz aniversário na próxima segunda-feira, dia 19, a primeira participação acintosa de Bolsonaro nas manifestações pelo golpe. Foi quando ele subiu na carroceria de uma picape em Brasília e assustou o mundo com a cara transtornada.
Esta foto, com o sujeito tossindo, com os olhos revirados, correu mundo. Aconteceu num domingo, na frente do quartel-general do Exército. Um grupo exibia faixas e cartazes e gritava pedindo AI-5, ditadura e fechamento do Supremo.
O 19 de abril é o Dia do Exército. Bolsonaro tentou usar a proteção dos militares para dizer frases ameaçadoras, como “acabou a época da patifaria”, “agora é o povo no poder” e “não queremos negociar nada”.
A performance pegou mal. O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, emitiu uma nota no dia seguinte defendendo paz, estabilidade e respeito à Constituição.
Levantaram a suspeita de que Bolsonaro pudesse ter ido ao ato infectado, por causa da aparência de doente e da tosse. O que começava ali era o contágio pelo blefe do golpe, com idas e vindas.
Em março, havia sido aberto no Supremo o inquérito das fake news, que ameaçava cercar os filhos do homem. Dois dias depois das ameaças com tosse, o STF abriu o inquérito para investigar os atos que defendem o golpe.
A sequência teria ações fortes do Supremo, que incluíram buscas e apreensões em redutos do gabinete do ódio, com a resposta de blefes e mais blefes.
Bolsonaro blefava, recuava, blefava de novo, dava entender que teria sido enquadrado pelos generais, mas voltava a blefar em atos golpistas, no cercado Alvorada, em lives, onde abrisse a boca.
O ministro da Defesa da estabilidade, da paz e da Constituição participou, meio escondido, de um desses atos. No dia 31 de maio, Azevedo e Silva foi levado por Bolsonaro, num helicóptero militar com camuflagem de guerra, aos protestos de Sara Winter na Esplanada.
E dá-lhe blefe. Bolsonaro percebeu, com o apoio explícito de Augusto Heleno na guerra contra o Supremo, que blefar poderia ser um fim em si mesmo, porque parecia impossível avançar para além do blefe, até porque seus delírios poderiam ter um limite da própria irracionalidade.
E assim, daquele 19 de março até agora, Bolsonaro blefou, recuou, foi à casa de Dias Toffoli, foi advertido em discurso de Toffoli (lido por Luiz Fux) sobre os riscos dos blefes, levou um pito de Gilmar Mendes, deu a entender que estava recuando e voltou a blefar.
O blefe é a cachaça de Bolsonaro. Depois do último porre, para poder continuar blefando sem discordantes, mandou embora o ministro daquela carona no helicóptero e todo o alto comando militar.
E nessa quarta-feira voltou a blefar como nos melhores tempos, talvez até um tom acima do que vinha fazendo.
Não se referiu ao “meu Exército” (será que mandaram parar?), mas falou em barril de pólvora, disse que aguarda um sinal do povo para tomar providências e ameaçou de novo o Supremo (“daqui a pouco vamos ter uma crise enorme aqui”), por causa do risco de enfrentar um processo por genocídio.
Mas a dúvida elementar continua solta, gasosa, flutuando no ar, enquanto Bolsonaro blefa: há condições objetivas para que ele imagine mesmo um golpe, ou Bolsonaro é o bêbado que repete sempre a mesma coisa?
As condições objetivas, dirão os cientistas e os políticos, são dadas pelas condições subjetivas. Quem pode saber, depois da crise que rachou o alto comando militar, com quem Bolsonaro pode contar?
São muitos os entraves ao plano de Bolsonaro. As Forças Armadas aceitariam compartilhar tarefas de imposição de arbitrariedades ao lado das polícias militares e de milicianos civis e fardados?
Se esses grupos são relevantes no projeto de Bolsonaro, que já deu sinais de que não confia totalmente nos generais, é razoável a interrogação sobre a capacidade de Exército, Marinha e Aeronáutica de dividirem atribuições com grupos que talvez sejam incontroláveis.
Bolsonaro é um tenente, reformado como capitão, ressentido por não ter sido nada no Exército, por ter o comando instável dos altos oficiais (ou não teria dispensado três comandantes), por precisar reafirmar a todo momento que o Exército é seu e que ele é o comandante-em-chefe e que manda e desmanda.
Bolsonaro é um inseguro e deve saber que, de tanto blefar, num gesto em que perca o controle do próprio ímpeto, talvez aplique um golpe. E deve saber também que talvez não tenha o controle do golpe por mais de uma hora.
É quase certo que Bolsonaro prefere a cachaça do blefe e assim irá até 2022, se conseguir chegar até lá, cambaleando sobre os cadáveres de ex-aliados e das vítimas do genocídio da pandemia.