Naquela que chamo ‘Pobre Cachoeirinha!’, onde tapa-buraco é obra e as escolas caem aos pedaços; aquela da ‘República de Vereadores’; a do noticiário político-policial e da cumplicidade de facções, estacionou na Câmara projeto do governo Cristian Wasem (MDB) que cria o ‘bonde dos cargos’ – ao custo de uma pedalada milionária.
São 31 novos CCs (os cargos de indicação política), com salários que custam até R$ 14 mil; 58 novas FGs, as funções gratificadas, que o prefeito concede a servidores concursados que quer colocar em cargos de chefia, além de criação de Secretaria e estruturação do gabinete da primeira-dama.
O custo é estimado em R$ 10 milhões até fim de 2024.
O Projeto de Lei 4817/2024 será lido na sessão ordinária desta terça-feira e, com as brechas do Regimento Interno amigo dos governos, a Câmara pode aprovar ainda nesta semana.
Isso se a justiça, instada, não intervir. E deveria. O PL para acomodar a base de apoiadores do governo Cristian/Delegado João Paulo é eivado de erros – se não involuntários, omissões malandras da política para enganar quem vota, os vereadores, e quem paga a conta, a sociedade.
O ‘bonde dos cargos’, como apelidou o vereador de oposição David Almansa (PT), chega à Câmara sem estimativas corretas de impacto financeiro; sem uma declaração formal do prefeito de que há dotação orçamentária específica (traduzindo: de onde virá o dinheiro para pagar) como determina o artigo 16, da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000); e em um momento em que o gasto com pessoal pode estourar os limites da lei fiscal – inclusive impedindo que sejam pagos os reajustes já aprovados para o funcionalismo em 2023.
É Cristian implodindo o que o ex-prefeito Miki Breier (PSB) fez de bom, que foi devolver o comprometimento da folha de pagamento aos limites prudenciais, que permitiram a contratação, pelo próprio Cristian, de R$ 80 milhões em empréstimos para obras de infraestrutura.
Vamos à ‘ideologia dos números’.
Em 2016, no último ano do governo Vicente Pires, o investimento em folha era de 77,67%. Significava que a cada 10 reais em receita, quase R$ 8 iam para pagar os servidores.
Em 2020, Miki conseguiu reduzir para 50,49%, como efeito do corte de benefícios que custaram sua popularidade com o funcionalismo, que fazia parte de sua base eleitoral, e o tornou cada vez mais refém da ‘República dos Vereadores’ – até sua cassação.
Em 2021, o gasto subiu para 55,17%. Em 2022, já sob o governo Cristian, caiu para 48,70%, mas, aí o principal ‘PARE!’ para o ‘bonde dos cargos’, no primeiro quadrimestre de 2023 já subiu para 51,26%. O limite prudencial da lei fiscal é de 51,3% e, partir daí, não é permitida a criação de CCs.
Cristian pode justificar que a receita vai aumentar, mas a real é que Cachoeirinha, assim como todos os municípios, experimenta entre a metade deste ano e o próximo, a perda de recursos com a redução eleitoreira do ICMS pelo governo Bolsonaro às vésperas da eleição presidencial de 2022 para baixar os combustíveis.
Observe na tabela a queda na evolução da receita e, abaixo, sigo.
Ah, e o prefeito tem que terminar de pagar o reajuste já aprovado para o funcionalismo: 5,4% em maio, 5,44% em junho e 3,18% em novembro – reafirmo: se chegar aos 54%, além de não pagar, pode até demitir, conforme a LRF.
Para quem acha que é catastrofismo contábil, o prefeito já antecipou o pagamento do 13º salário para evitar incidir agora o reajuste e extinguiu o fundo de modernização para garantir um milhão e meio em liquidez nas contas raspadas.
Escandaloso é que, com o ‘bonde dos cargos’, Cachoeirinha chega próximo a 300 CCs. Para efeitos de comparação, Gravataí, com um bilhão de orçamento, o dobro dos R$ 500 milhões de Cachoeirinha, tem 270 CCs.
– É um assalto à luz do dia. Hipotecam o futuro em empréstimos e gastam o que não tem para distribuir cargos e garantir um exército político, pago com dinheiro público, para fazer campanha na eleição do ano que vem – resumiu ao Seguinte: o vereador David Almansa, que lembra que, em novembro, ao assumir como eleito após seis meses interino, o prefeito já aprovou uma ‘reforma administrativa’ que desmembrou secretarias e teria criado 30 cargos.
O oposicionista antecipa que vai pedir vistas ao projeto do governo na sessão desta noite e estuda ação judicial para ao menos segurar a votação até obter mais esclarecimentos.
O Seguinte: buscou contato com a Prefeitura, mas não teve retorno até o fechamento deste artigo. Assim que conseguir, atualizo o artigo ou, conforme o conteúdo, produzo outro texto.
Por enquanto, quem se interessar pode ler o projeto, com a justificativa do prefeito clicando aqui; e o grosseiro impacto financeiro enviado aos vereadores clicando aqui.
Ao fim, reconheço que é poder delegado pelas urnas ao prefeito que assume organizar sua estrutura administrativa e submetê-la à aprovação dos vereadores (que pelos critérios de proporcionalidade representam 100% do eleitorado), mas insisto que a realidade do município é diferente; é a ‘Pobre Cachoeirinha!’.
Convençam-me do contrário, mas o prefeito Cristian parece ainda não ter tirado do corpo o vereador que foi; já observei isso em Lançada Frente Parlamentar em Defesa do Instituto Federal em Cachoeirinha; Ausência apequena governo Cristian; Eleição é só ano que vem, prefeito!, quando alertei: “(…) Por vezes sinto que o Cristian esquece que não é mais vereador, é prefeito. Perde-se em pautas pequenas e ouve conselhos pequenos. Ainda há tempo para ser grande (…)”.
Age sempre permitindo ao menos a desconfiança de que resta mais preocupado com arranjos políticos e a eleição de 2024 do que com o futuro de Cachoeirinha.
Reputo a base desse futuro deveria ser a prioridade, não agradar tarados por cargos ou ser filmado pelos iPhones que comprou correndo junto com os garis no caminhão de lixo; assista clicando aqui, aviso, sem a opção de ‘desver’.
Amigo de Cachoeirinha, daqueles ‘otimistas’ que dizem que “tudo vai de pior em mal”, a cada um Dos Grandes Lances dos Piores Momentos do atual governo tenta me aplicar que o eleitor, na hora da urna, não dá bola para essas polêmicas.
Resta-me conjurar Millôr, que sei a cada citação que faço é motivo de deboche por irritar alguns puxa-sacos, interesseiros e interessados em se aproveitar da ‘República dos Vereadores’.
O verbete se chama ‘Controética’.
“Pelo que observei na CPI do Congresso, os inquiridos executam seu papel com tal probidade e competência que merecem ser condenados. Dos crimes, desmandos e patifarias que cometeram, ou em que estão incriminados, os acusados fazem confissões tão imprudentes e revelam detalhes tão percucientes, que nos dão a imediata convicção de sua absoluta inocência. O povo roubado, feliz e satisfeito ao ver a apuração total dos ilícitos, colabora com seu entusiasmo, afirmando nunca mais votar nos que não se locupletaram”.
Retira ‘bonde dos cargos’, prefeito! Condena-se muito os excessos, mas também há um limite para o mínimo, né Cristian?
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