RAFAEL MARTINELLI

O Brasil está em crise? (recomenda-se ler antes de responder)

Arte do genial Pawel Kuczynski

Associo-me ao artigo O Brasil está em crise?, publicado em seu site pelo economista Paulo Gala (o currículo está ao fim do artigo). Sigamos no texto.

O debate econômico no Brasil tem sido pautado por uma narrativa de pessimismo crônico, muitas vezes desconectada da realidade material da maioria da população. Enquanto se discute com ênfase quase exclusiva os desafios fiscais — que de fato merecem atenção, mas são problemas de médio e longo prazo — há uma negligência em relação a indicadores positivos e concretos do presente. Inflação controlada, desemprego em baixa e aumento de renda real, especialmente entre os mais pobres, são tratados como exceções irrelevantes ou, pior, como dados duvidosos. A análise pública ignora o que é tangível para milhões de brasileiros: uma melhora visível nas condições de vida.

A inflação, foco recorrente de críticas, caiu para uma média de 4,73% ao ano nos dois primeiros anos do governo atual, abaixo dos 6,17% registrados no governo anterior e também inferior à média histórica de 6,5% desde a criação do real. O impacto da inflação sobre os alimentos, embora real, não superou o crescimento da renda familiar — especialmente dos mais pobres, cuja renda subiu 19% contra alta de 8% dos alimentos em 2024. Ou seja, houve ganho real de poder de compra, algo raramente reconhecido nas discussões públicas ou nos comerciais de oposição política.

Do ponto de vista do mercado de trabalho, os números também são positivos. O desemprego caiu para 6,6% no primeiro trimestre e deve atingir 5,9% até dezembro, uma das menores taxas da série histórica. A informalidade recuou para 37,9%, também entre os menores patamares já registrados. A desigualdade de renda caiu ao menor nível da história, segundo o índice de Gini, e a renda per capita alcançou o ponto mais alto da série iniciada em 2012. Além disso, a insegurança alimentar, que aflige os mais vulneráveis, teve uma redução impressionante: 14,7 milhões de brasileiros deixaram a fome entre 2022 e 2023, conforme dados da ONU.

O crescimento econômico, por sua vez, tem superado as projeções de forma consistente. No primeiro trimestre de 2025, o PIB cresceu 1,4%, acima da média dos países da OCDE e do G7. Esse desempenho ocorre apesar da manutenção de juros reais extremamente altos, desestimulando investimentos privados. Ainda assim, as empresas lucram. As 387 companhias abertas não financeiras tiveram aumento de 30,3% no lucro líquido no trimestre, enquanto os grandes bancos registraram resultados crescentes. A indústria, símbolo da fragilidade estrutural brasileira, voltou a crescer: 3,1% em 2024.

O Brasil não está em crise!

O último dado divulgado pelo IBGE do IPCA de maio registrou alta de 0,26%, abaixo dos 0,43% observados em abril e no piso das estimativas do mercado. O dado sinaliza uma moderação relevante da inflação, com a difusão recuando de 67% para 60%, outro indicativo positivo. Entre os principais vetores, os preços de alimentos para consumo no domicílio seguem arrefecendo, enquanto os serviços mostram leve desaceleração: a variação mensal foi de 0,18%, ante 0,20% em abril, e o acumulado em 12 meses caiu para abaixo de 6%. Ainda há pressões localizadas, como em café e outros itens alimentícios, mas o quadro geral aponta para acomodação nos preços.

A recente valorização do real, com o câmbio se aproximando de R$ 5,50, tem contribuído para aliviar os preços de bens transacionáveis. Se o câmbio continuar se fortalecendo — na direção de R$ 5,50 ou abaixo — o impacto desinflacionário poderá ser ainda maior. Também foi divulgada a primeira prévia do IGP-M de junho, que apontou deflação de 0,74%, após uma alta de 0,18% em maio. O IPA caiu 1,19% e o IPC-M desacelerou para 0,13%, ante 0,42% no mês anterior. A única alta significativa veio do INCC, com avanço de 0,92%, refletindo reajustes no setor da construção civil. De modo geral, os dados indicam uma tendência benigna para os preços ao consumidor. Com esse cenário, aumentam as chances de o IPCA de 2024 fechar abaixo de 5,5%, com algumas instituições projetando 5,3% ou até 5%. O câmbio desvalorizado no início do ano (chegando a R$ 6,30) pressionou os preços, mas o quadro atual é bem mais favorável. A Selic elevada tem contribuído para segurar o câmbio via diferencial de juros, reforçando o processo de desinflação.

*Paulo Gala é graduado em Economia pela FEA-USP, é mestre e doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, CGA-Anbima. Foi pesquisador visitante nas Universidades de Cambridge UK e Columbia NY, economista, gestor de fundos e CEO em instituições do mercado financeiro em São Paulo. É professor de economia na FGV-SP desde 2002 e conselheiro da FIESP. Brasil, uma economia que não aprende é seu último livro.

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