opinião

O caso do hino na escola; vão para a Coréia do Norte!

O trecho mais constrangedor da mensagem do ministro, proposital, aposto

A idiotia não pode ser tanta.

Calma, não xingo você, que descobriu que gosta de cantar o hino. Só não acho razoável que espertalhões, destros, canhotos ou isentões, cheguem ao poder e se divirtam tirando as gentes para otário.

Mesmo que a máxima do Barão de Itararé “de onde menos se espera é que não sai nada mesmo” caia como um mapa astral para definir o legado do colombiano ministro da Educação brasileira Ricardo ‘I Love Olavo’ Vélez Rodríguez, fica difícil imaginar que essa polêmica de cantar o hino nas escolas não seja mais uma peça encenada pelo Núcleo de Entretenimento do Governo Bolsonaro para desviar o foco do fiasco diplomático da meia dúzia de caminhõezinhos com ‘ajuda humanitária’ para Venezuela, do laranjal que brota do partido do presidente e cuja investigação sobre o caso Queiróz foi barrada há minutos pelo Supremo e de uma Reforma da Previdência que, como nunca foi antes na história desse país, é assunto desde o cafezinho dos juízes até conversas das tiazinhas à espera do Sogil no Parque Florido.

Apesar de já ter viralizado no Grande Tribunal das Redes Sociais, e já ser de domínio principalmente de pais que, sobre o que acontece nas escolas, se informam mais pelo WhatApp do que conversando com os filhos, vamos às informações, às flagrantes irregularidades cometidas pelo ministro (e, por infantis, suspeito de uma premeditada tática diversionista), às repercussões locais e nacionais, depois comento.

O Ministério da Educação (MEC) enviou um comunicado para diretores de escolas do país pedindo que, “no primeiro dia da volta às aulas”, os alunos sejam perfilados para a execução do hino nacional e a leitura de uma carta do ministro. O texto se encerra com o slogan da campanha eleitoral de Bolsonaro, “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”.

O MEC pede, ainda, que o momento seja filmado e o arquivo de vídeo, enviado ao governo.

Diz a mensagem: “Prezados Diretores, pedimos que, no primeiro dia da volta às aulas, seja lida a carta que segue em anexo nesta mensagem, de autoria do Ministro da Educação, Professor Ricardo Vélez Rodríguez, para professores, alunos e demais funcionários da escola, com todos perfilados diante da bandeira nacional (se houver) e que seja executado o hino nacional. Solicita-se, por último, que um representante da escola filme (pode ser com celular) trechos curtos da leitura da carta e da execução do hino nacional.

Fica pior: na carta, Veléz escreve, “Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!”.

A secretária da Educação de Gravataí Sônia Oliveira e a presidente do sindicato dos professores de Gravataí Vitalina Gonçalves não responderam ao Seguinte: até o fechamento do artigo. Atualizo caso se manifestem. Sônia Becker, que comanda interinamente a 28ª Coordenadoria Regional de Educação, aguarda orientação da Secretaria Estadual da Educação. Anderson de Lima Vicente, diretor do 22º Núcleo do Cpers, conta que a mensagem repercutiu mal nas escolas:

–Não paramos de receber contatos. Estamos orientando a que diretores e alunos filmem as condições em que se estuda para mandar para o ministro. Além de autoritária e sem precedentes, é um deboche quando direitos são ameaçados, faltam professores, turmas são cortadas e há escolas caindo aos pedaços, ou mesmo derrubadas, como o Xará, em Gravataí.

O MEC informou em nota que se trata de um “pedido de cumprimento voluntário” e que “a atividade faz parte da política de incentivo à valorização dos símbolos nacionais”.

 

Comento.

Repare que a ‘carta’ de Vélez exalta o slogan da campanha de Bolsonaro! Inacreditável que o ministro não tenha feito de propósito para usar a Guerra Ideológica Nacional como um engana bobo para desviar o foco das, como cantava o Chico, “tenebrosas transações”.

A Constituição determina no Artigo 37 que “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.

É passível de ação do Ministério Público Federal. Conforme alertou à BBC Luciano Godoy, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas, há jurisprudência em decisão do Supremo que regra que “toda e qualquer conduta que de forma direta ou indireta vincule a pessoa do administrador público a empreendimentos do Poder Público constitui sua promoção pessoal para proveito político, usando ilegalmente a máquina administrativa para esse fim”.

E vai além: o pedido de gravação é uma violação de privacidade, já que a Constituição garante a inviolabilidade da intimidade e da privacidade, e conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente sempre que é feita uma imagem da criança em alguma atividade escolar, os pais precisam autorizar.

Sem falar na liberdade religiosa, já que o Estado brasileiro é laico. “Deus acima de todos” pode ser uma opção aceita pela grande maioria, mas não o é por todos.

Mesmo que não seja uma medida impositiva, o que não encontraria nenhum fundamento na LDB, é sim uma grande bobagem. Vem-me a mente aquelas imagens de Hitlers, Mussolinis e Stalins sendo saudados por crianças em suas paradas do horror.

Ah, mas no meu tempo a gente cantava o hino!

Sim, e que benefício isso trouxe? A maioria dos ladrões de colarinho branco também cantava – um cálculo de tabuada permite fazer essa conta.

O grande símbolo nacional são professores ganhando pouco e com medo de dar aulas, escolas paupérrimas, balas perdidas nas periferias, alunos que chegam à quarta série sem saber ler, pais que até hoje não sabem escrever ou interpretar um texto – corra agora sua timeline (e, possivelmente, comentários sobre este artigo em grupos de Facebook) para testemunhar o analfabetismo funcional, o português e a inteligência sob coquetéis molotovs numa fronteira da Venezuela.

Já que, no mesmo dia, outra personagem do Núcleo de Entretenimento do bolsonarismo, o chanceler olavete Ernesto Araújo, deu entrevista à Globo dizendo considerar a ditadura na Venezuela pior que a da Coréia do Norte, onde avô, pai e o filho Kim Jong-un já mataram milhões, que Vélez vá para a Coréia com essa dissimulada história de hino!

Ao fim, é Escola Sem Partido. Dos outros, claro. Do nosso vai com slogan e tudo.

 

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