Ágora, no grego, é um lugar de reunião de pessoas, uma assembleia. Homero, o primeiro a usar o termo, foi descontruído por pesquisadores e, de poeta da época, hoje é identificado como uma criação para personificação coletiva de toda a memória grega antiga. O Instituto Cultural e Social Ágora promoveu de forma remota, na noite desta segunda, o segundo debate entre os candidatos à Prefeitura de Cachoeirinha. Sônia Zanchetta, a ativista-mãe da cultura, e principal organizadora, há de concordar que, feito um híbrido da performance dos prefeituráveis, o Homero estaria mais para Ésquilo, o ‘pai da tragédia’.
Não me refiro apenas ao sentimento de que Miki Breier (PSB), Antônio Teixeira (REDE), Dr. Rubinho (PSL), Delegado João Paulo (PP) e Jeferson Lazzarotto (PT) pareciam pouco ter pensado sobre o tema do debate, a Cultura, e sim a, como o poeta, usarem um discurso entre dois mundos: o trágico e o otimista.
Trágico porque parecem apostar, em vez de apresentar propostas detalhadas, na perigosa estratégia do zero-a-zero, do ‘eu sei o que você fez no verão passado’. Ou melhor: o que fizemos no verão passado.
Uma fala de Miki, atacado por todos como atual prefeito que investiu pouco mais que zero após a vírgula em Cultura, confirma o verso:
– O PT governou até 2005, o candidato da REDE esteve no governo até 2016, o do PP também foi secretário e seus apoiadores, assim como o candidato do PSL, participou até 2019. Todos são responsáveis por pegarmos uma Prefeitura com 80% da receita comprometida com folha de pagamento, salários atrasados, fornecedores sem receber e uma dívida absurda com a previdência – disse o candidato à reeleição, que também é personagem da tragédia por ter sido secretário e eleito pelo partido dos últimos ex-prefeitos, José Stédile e Vicente Pires.
Se o trágico é construção coletiva, o otimismo também, nas promessas. Todos trataram a Cultura como “prioridade”. Salvo engano, subiu para o pedestal da saúde, por exemplo. Se o objetivo dos organizadores era sair com uma ‘carta de intenções’, o objetivo foi cumprido. Ativistas e artistas terão promessas não cumpridas para cobrar pelos próximos quatro anos, quando a área for a primeira a sofrer cortes.
Sobre o otimismo, falas de João Paulo e Teixeira fizeram o verso:
– Bom saber que todos se comprometeram com a Cultura – disse o delegado, de certa forma evocando a tragédia que referi mais acima, já que, seja quem for o eleito, sabe que tem material gravado para ser cobrado.
– A Cultura nunca mais vai ser a mesma (depois do debate) – disse Teixeira, o que dispensa comentários.
No oba-oba, os mais ponderados foram Miki e João Paulo. O prefeito porque disse que planos futuros deveriam ser discutidos com a sociedade no “pós-pandemia”. O delegado porque reconheceu as dificuldades financeiras e condicionou investimentos à captação de recursos. Teixeira, Rubinho e Lazzarotto não tiveram vergonha de assumir compromisso de criar uma Secretaria de Cultura (hoje é integrada a Esporte e Lazer) e investir ao menos 1% na área – recomendação da Unesco.
Hoje, para se ter uma ideia, num orçamento de R$ 500 milhões, a Cultura não mexe mais que R$ 2,2 milhões, ou 0,4%.
Dos Grandes Lances dos Piores Momentos, Dr. Rubinho ter criticado o atual governo por nomear CCs sem preparo para áreas, quando foi responsável por indicações – no mínimo – duvidosas durante o governo Miki.
A passagem curiosa também credito a Rubinho. Mesmo candidato pelo PSL, ex-partido de Bolsonaro, por duas vezes defendeu a Lei Rouanet, que o mito já chamou de “claro desperdício de dinheiro público”.
Reputo Lazzarotto como o ‘ganhador’ do debate. Foi bem quando relatou sua participação, como presidente da OAB, no tombamento da Casa dos Baptista, ao recorrer ao TJ após a absurda decisão da Justiça de Cachoeirinha de não considerar a construção como patrimônio histórico, e o tema da Cultura facilita a verve petista. É bonito ouvir que “a cultura ajuda a libertar o povo”.
Ao fim, como em Miki ’ganhou’ o debate; e a lamentável ausência em Cachoeirinha, identifico pouco ganho ao eleitor nos debates. Os candidatos só falam platitudes e, mesmo com quatro anos entre uma eleição e outra, não apresentam sequer uma proposta como início, meio e fim, e devidamente explicando o porquê da prioridade e de onde vai sair o dinheiro. Fica parecendo que o grande itinerário dos políticos é ficar ao volante.
Sônia Zanchetta, a cada eleição paparicada pelos candidatos, e depois nem tanto, com o Ágora, fez sua parte. Infelizmente, aposto saber que, na obra de Ésquilo, é ‘Prometeu Acorrentado’.
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