JEANE BORDIGNON

O dia em que o Parque dos Anjos virou rio

“O homem fica à mercê do rio. Mas não desanima: espera pela vazante, e alteia o soalho, e aproveita a terra enriquecida pela enchente. O rio diz para o homem o que ele deve fazer. E o homem segue a ordem do rio. Se não, sucumbe.” Assim escreveu o poeta amazonense Thiago de Mello no livro Mormaço na Floresta, de 1981, em que entre poemas e pequenas prosas, nos traz a relação do povo do Amazonas com o ambiente onde vivem.

Essas palavras ecoaram muito na minha mente na última sexta-feira. O dia em que as “pontes do Parque” sumiram sob as águas dos arroios Oriçó e Demétrio. A tarde em que a enxurrada invadiu as casas dos meus vizinhos, arrastou carros, fez estragos que nunca tínhamos imaginado. 

Há quase 38 anos minha família mora neste mesmo endereço, e nunca vi nada igual. O rio costumava subir “lá embaixo”, como aconteceu em 85, quando, já contei aqui, a água passou da casa da minha vó, quase na frente da Astória (e eu não lembro, só sei de relatos e fotos).

Mas esse pedacinho do Parque que parecia tão seguro também é banhado, várzea, como queiram chamar. A gente parece que esquece que vivemos numa cidade que ganhou seu nome por causa do rio. Gravata-hy, rio dos gravatás. E será que sabemos conviver com ele? Ou teimamos em construir onde parece ter um espaço sobrando, sem pensar nos ciclos das águas?

No verão estávamos apavorados com a seca, com nosso rio e seus arroios quase sumindo.Uma memória que tenho da infância é de tomar banho no Rio Gravataí, em alguma “prainha”. Como estamos destruindo um dos maiores tesouros da nossa cidade?

Uns dias antes do temporal, ainda dizíamos que nosso rio precisava de chuva. Mas tinha que ser toda de uma vez, São Pedro? Não, a culpa não é do santo. A cidade está cada vez mais asfaltada, calçada, impermeabilizada. A natureza é sábia. A terra absorve água e as plantas também, só o excedente volta para o rio. Se não há terra e plantas… haja rede de drenagem!

Nossos rios e arroios também sofrem com o assoreamento e o lixo. Eu já vi com esses próprios olhos até uma carcaça de carro nas águas do Gravataí, na altura do Caça e Pesca. Uma vez soube que um fogão e um sofá foram tirados de lá. Ainda tem o lixo residencial e os esgotos, alguns diretamente jogados… na mesma água que iremos beber. 

Não parece algo muito inteligente tratar nosso rio dessa maneira. Quando a água chega nas torneiras com gosto e cheiro de produto químico, é ruim, mas é o jeito de transformar o “coquetel” de sujeira em líquido bebível outra vez.

E quando os rios e arroios transbordam, do jeito que vimos semana passada, toda a porcaria vem junto. Não foi uma onda de água que invadiu as casas de parte do Parque dos Anjos, mas uma sopa de dejetos humanos, animais, de restos de tudo que a enxurrada foi arrastando. Quando baixou a parte líquida, restou muita sujeira para limpar.

Hoje, em que escrevo esse texto, já é quarta-feira e o trabalho de limpeza e reconstrução continua. Equipes da prefeitura continuam recolhendo entulhos e outros rastros do ciclone em várias partes da cidade. As pontes foram liberadas já no sábado. Mas as imagens ficarão em nossas mentes por muito tempo.

E quem tiver móveis ou eletrodomésticos para doar, pode entregar no Centro Administrativo Leste, no Parque dos Anjos (Avenida Ely Corrêa, 675) ou entrar em contato pelo WhatsApp (51) 99724-5722.

As famílias atingidas também precisam de produtos de limpeza, higiene e alimentos não perecíveis, que podem ser doados em três endereços:

– Sede da Prefeitura de Gravataí: Av. José Loureiro da Silva, 1350

– Banco de Alimentos: Av. Centenário, 87

– Antiga Fundarc: Rua Antônio Donga, 15

Contatos: (51) 3600-7257 / 3600-7371 (51) 99303-8506

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