3º NEURÔNIO

O dia em que o Pelé vestiu a camisa para o Alemão

Recomendamos o artigo de Renata Kotscho, médica formada pela UNICAMP, especializada em Medicina Estética pela American Board of Aesthetic Medicine, publicada no Medium


Sexta feira, 21 de abril de 1984. Com uma câmera fotográfica engatilhada nas mãos, uma ideia maluca na cabeça e dois maços de cigarro no bolso para comprar consciência social, o Alemão subiu o morro do Pavãozinho no Rio de Janeiro em busca da tão sonhada foto: a do ídolo Pelé, Rei do futebol, vestindo a camisa amarela do movimento Diretas Já.

O fotógrafo trazia também uma outra arma secreta, a confiança. “Santista de coração, fui premiado pelo meu chefe José Maria de Aquino, para ser o setorista do Santos pelo Estadão em meados da década de 60.” Foi assim que o, então repórter, Ronaldo conheceu o jogador Pelé. “Não sei se foi pela minha idade, estava com 17 anos, ou se foi porque nunca me interessei por fazer matérias sobre a vida deles fora de campo, só sei que os jogadores adquiriram confiança em mim”.

Quando migrou do texto para a fotografia, essa confiança aumentou ainda mais “como fotógrafo, eu não tinha como inventar nada, ficava ainda mais perto dos jogadores e ainda podia acompanhar as falas deles com os técnicos em campo. Então eu alimentava meus companheiros de reportagens com pautas sobre os que acontecia perto do gramado.”

Foi com essa confiança que o Alemão tentou convencer seu chefe na Revista Placar, Juca Kfouri, na época diretor de redação, a patrocinar a viagem para tentar fazer a foto: “Assim que falei da minha vontade da foto com Pelé, o Juca respondeu seco — Tá maluco Alemão? A Veja, o Globo, todo mundo do Brasil e até de fora já tentou, e você acha que a Placar vai conseguir? — Respondi puto, a Placar não, mas eu vou! e saí da sala”.

(Juca Kfouri tinha o codinome Jucafilhodaputa, assim tudo junto, lá em casa. Mas era uma coisa respeitosa, com carinho)

Com a cabeça um pouco mais fresca, ou talvez não, o Alemão voltou a sala do chefe “Fui curto e grosso e avisei- Juca eu vou tentar a foto de qualquer maneira, se você não bancar e eu conseguir, irei vender a foto para a revista Isto É — na época a grande concorrente da Veja” o chefe então tentou contemporizar “Alemão eu te dou a passagem, mas não pago nem estadia em hotel e nem o almoço! Não vou poder justificar esse gasto com essa sua ideia maluca!”

Alemão ficou satisfeito com a proposta da chefia “sai imediatamente da sala e pedi para a produção comprar uma camisa oficial da seleção e para meu amigo da arte, o Biriba, escrever Diretas Já em letras garrafais nela. Tudo pronto, no dia seguinte embarquei bem cedo para o Rio de Janeiro.”

“Eu tremia no Electra da Varig sentado lá no fundão do avião” conta o Alemão. “Eu sabia que a missão era difícil porque o Pelé não gostava de se posicionar politicamente, então eu temia pela minha credibilidade na redação e pelo meu emprego”.

Chegando ao Rio de Janeiro, o fotógrafo procurou o empresário Alfredo Saad, anfitrião do Pelé na capital carioca que passou as coordenadas no morro do Pavãozinho, onde Pelé estava rodando o filme Pedro Mico, do qual era produtor e protagonista.

“Aconselhado pelo Saad, peguei um táxi que me deixou na porta de um elevador tenebroso na entrada do morro” conta o Alemão (que não é reconhecido na família exatamente pela sua coragem). “No caminho, vários pedestres com cara pouco amistosa, amansavam apenas quando eu dizia ser amigo do Pelé ou oferecia um cigarro”

Atingido o topo do morro, chegara o momento de executar a missão. “Pelé tinha acabado de filmar algumas cenas e estava num local improvisado para descansar e se alimentar. Logo que ele me viu, comentou alto — Alemão, seu canalha, já sei o que veio fazer “ . Alemão conta que Pelé é muito inteligente e logo percebeu que o fotógrafo estava lá com uma missão especial até porque, “Diretas Já era o assunto do momento em todo o país”.

“Avisei que queria uma foto dele com uma camisa amarela”, ele entendeu o recado e negou “então joguei com o meu emprego, disse que ia ser mandado embora se não conseguisse a foto, falei o diabo, mas o máximo que eu consegui foi um — vou pensar”.

Foi aí que o fotógrafo teve a ideia de tirar a camisa para fora da bolsa de fotografia, mas ao invés de mostrar para o jogador, acenou com ela para os populares, a maioria jovens e crianças da comunidade, que se aglomeravam para assistir as filmagens com o ídolo. Não deu outra, a turma começou a gritar “veste, veste, Diretas Já, Diretas Já”.

Alemão conta que foi uma confusão e não tendo como negar a foto, o ídolo tentou driblar o fotógrafo “Alemão filho da Puta, te dou dez segundos para fazer a foto e nada mais” então o jogador colocou a camisa, acenou para o público e em poucos segundos, conforme tinha avisado, retirou. “Apertei o botão da minha câmera Nikon e foi como ouvir uma orquestra” descreve o Alemão, ciente da preciosidade do que tinha conseguido.

Desceu o morro dessa vez escoltado pelos seguranças do jogador, afinal carregava um tesouro, e voltou para São Paulo. Deixou o filme para revelar na redação da Placar e foi para casa. O plano era sair para comemorar o feito em um restaurante bacana com a sua amada, Eliza.

Doce ilusão. Foi chamado às pressas na redação da Placar. “Alemão, vem pra cá, avisou o Juca, que está uma confusão”. Ao saber da foto, os editores Veja queriam publicá-la na revista, a principal da editora. O argumento não era de todo errado, afinal a foto do ídolo era uma manifestação política, não esportiva. Mas o Alemão, teimoso que só, bateu o pé “eu fiz a foto para a Placar é aqui que ela vai ser publicada” e não desistiu até convencer a cúpula da Abril. No dia seguinte, a capa histórica da Placar foi publicada, sem matéria dentro, pois a revista já estava toda pronta. Missão cumprida.

Participe de nossos canais e assine nossa NewsLetter

Facebook
WhatsApp
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Conteúdo relacionado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Receba nossa News

Publicidade