Outro dia fui questionado: se não acho minhas frases contra políticos uma generalização perigosa, sobretudo perto de eleições. Queriam saber: acho mesmo que todos os políticos são iguais, isto é, corruptos e canalhas? Resposta dupla: a sério (nem todos) e a do humor (quase todos). A diferença é que no humor o exagero é um recurso de linguagem.
Este tipo de questionamento virou police social, em defesa das instituições. Bom, se acham que o humor precisa ter limites, então a autocensura também deve ser limitada. Já dizia Millôr Fernandes: autocensura é a pior forma de censura.
Em vez das instituições, prefiro defender a autonomia de opinião – a de qualquer pessoa. As minhas frases, bem ou mal pensadas, sensatas ou equivocadas, é o modo mais incisivo para expressar ideias e convicções. Para o bem ou para o mal, é meu melhor como humorista. E diante do público, devo pagar o preço do cacoete genérico que muitas delas exibem. Pero, rale-se o público: escrevo pro meu prazer.
Como frasista, creio que as generalizações se voltam mais contra a própria imagem do humorista que contra o bom político. O leitor inteligente – meu idealizado alvo – até conhece mais profundamente o cenário político que eu. Por isso não se deixa influenciar por criações humorísticas, sabe rir e avaliar que não passam de peças de humor.
Já o leitor burro, esse sim pode se deixar levar por qualquer tipo de texto sedutor ou enganador. Mas o leitor burro não é afeito às sutilezas do humor – a nenhuma sutileza, aliás. Quer dizer: leitores acima da média estão livres da influência do humor; leitores abaixo da média (e imbecis, idiotas e babacas) nem acesso ao humor têm. É mais fácil e mais comum o leitor burro não compreender ou interpretar burramente bons textos e boas frases.
A grande mídia, eterna sugadora das tetas de todos os governos, essa sim tem o poder massacrante de induzir leitores ao erro, à desilusão política, à inércia. Movida por interesses, a mídia brasileira é capaz de manipular fatos e argumentos, e afetar a Política. É histórico, se vê isso todo dia nas tevês e jornalões.
E o frasista? Qual a manipulação que uma coluna perdida e mal lida num portal é capaz? Qual é o efeito de um punhado de frases comparado aos danos reais que causam influentes veículos na opinião pública? É risível superestimar meu alcance. Nem os criticados me notam.
Sem falar nos próprios políticos, pressupostos atingidos por minhas farpinhas textuais: com suas fraudes e atos desonestos, interesseiros e corporativistas, eles mesmos são os piores detratores da Política. Essa corja impune é que ameaça a Democracia, desde a república.
Não atacar políticos no humor é poupar o mau político. E é ele, eleito e reeleito apesar da ficha suja e do estrago que faz na Política, que vira mau governante. Em quem, aí sim, é permitido baixar a lenha. Meu cacoete generalizador se inspira nessa situação genérica das eleições e reeleições: os mesmos corruptos de sempre e agentes de desvios de verbas e de superfaturamentos nunca deixam de ser votados e manter cargos. E é desse viciado e viciante sistema que os não-políticos se aproveitam pra se tornar governantes da mesma estirpe dos maus políticos. Denunciar isso tudo, através de textos e frases, é depurar a Democracia.
Acho mais: para aperfeiçoar a Democracia nacional, quem tem de escolher bem seu candidato, se informar muito antes de decidir seu voto, é o próprio eleitor. Isso também cabe à militância, mas militante nunca fui, jamais serei.
Além de não ter toda essa alegada influência sobre leitores, o humorista não tem, a meu ver, a menor obrigação de esclarecer o leitor/eleitor sobre seus enfoques humorísticos. O humor pressupõe a liberdade de opinar, mesmo que equivocadamente. E, ao prejudicar alguém, ser responsabilizado. Duvido que algumas frases genéricas abalem alguma instituição. Os abalos no congresso, no planalto e no STF se devem mais à falta de ética e de escrúpulos dos seus maus ocupantes que a generalização no humor. E isso não pode parar de ser denunciado. Num país sério, a crítica a escândalos não deveria escandalizar leitores e eleitores conscientes.
Quanto ao bom político, ele tem proteção garantida: suas salvaguardas são o caráter, a trajetória, a distância dos escândalos de corrupção. O bom político – incorruptível, que não se mistura aos maus políticos nem faz politicagem – ele jamais será enlameado pelo humor: só a lama ao seu redor, se ele aderir, pode fazer isso.
Se eu tiver que seguir 10 mandamentos sobre conteúdo, criar regrinhas para a crítica e a sátira política, melhor eu tentar ser colaborador das revistinhas Despertai, Sentinela, por aí. Se assim for, me inspiro de novo no Millôr: "Não quero viver num mundo onde eu não possa fazer uma piada politicamente incorreta." No meu caso, me recuso a escrever com medo do que vão pensar de mim.
Apesar das frases genéricas, não acho que atuo como típico inocente útil. Em 50 anos de humorismo, nunca fui nem inocente nem útil.