no mundo da bola

O filho da mãe do juiz

O professor - ou Educador Físico - Marcus Vinícius Gonçalves dos Santos é o representante de Gravataí no quadro de árbitros da FGF

Depois do Dia das Mães, comemorado neste domingo, é a vez de lembrar da mãe do juiz, sempre alvo dos mais escabrosos xingamentos quando está exercendo sua atividade ou, nos dias seguintes, quando os fatos acabam virando tema das mais acirradas discussões entre entendidos, ou que se julgam como.

Ela é a mãe do juiz. Do juiz de futebol.

Aquele 23º personagem dentro do campo ao qual não é dada a chance do erro. Ele não pode vacilar. Em fração de segundos tem que decidir se foi falta, se foi pênalti, e se um ou outro merece cartão ou até a expulsão. Neste último caso, então, é pressionado, pela equipe prejudicada, à exaustão.

E se nessa fração de segundos ele erra, literalmente vira ‘o filho da mãe do juiz’!

Em Gravataí o caso se aplica a muitos árbitros de futebol que apitam torneios, o campeonato municipal, varzeanos, mas a apenas um integrante da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), os ‘federados’, como chamam uns aos outros.

O representante da aldeia é Marcus Vinícius Gonçalves dos Santos, de 35 anos, casado e pai de um menino de nove anos. O árbitro é comerciante no dia a dia, ao lado do pai, em uma loja de embalagens plásticas na altura da parada 59, divisa entre Gravataí e Cachoeirinha.

 

As duas mães

 

Os xingamentos que ouve dentro de campo, atualmente, são normais para Marcus Vinícius. É uma ofensa que ele não leva para casa e que não abala a tranquilidade da sua mãe, Lorenir Gonçalves dos Santos, auxiliar de enfermagem no Hospital Cristo Redentor há quase 40 anos.

— Na verdade o juiz tem duas mães. Uma que fica em casa e a outra que ele leva para o campo e que é alvo dos xingamentos. Essa que vai ao estádio fica dentro do campo depois que termina a partida. Não dá para misturar as coisas — diz Marcus, com bom humor.

No caso de Lorenir, a mãe que fica em casa, ele assegura:

— Se ela ouve estas coisas que infelizmente ainda acontecem em nossos estádios, ela não dá bola. Entra por um ouvido e sai pelo outro, como se diz.

 

Basquete e vôlei

 

O representante de Gravataí na arbitragem da FGF tem o esporte correndo nas veias. Treinou na escolinha de futebol de um time grande da capital que ele não revela qual –– “para não acontecerem interpretações erradas” —, tentou ser jogador de basquete na Sociedade Ginástica de Porto Alegre (Sogipa) e de vôlei na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).

E acabou sendo juiz de futebol ao acaso.

Como Educador Físico por formação (Ulbra Canoas, em 2005), foi procurado certo dia por uma pessoa que lhe pediu um ‘cardápio’ específico a fim de se preparar para as provas às quais iria se submeter, visando tornar-se árbitro de futebol.

Marcus conta que isso lhe chamou a atenção e acabou frequentando o curso, gostou e está soprando apitos como ‘federado’ desde 2007, no quadro principal de árbitros da FGF. Além de mediar os confrontos futebolísticos e da tarefa de comerciante, ele mantém a forma treinando em uma academia no centro de Gravataí quase todos os dias.

Ele pensa antes de responder, mas diz que já apitou cerca de 300 jogos oficiais pelo Rio Grande do Sul quase todo, além de umas 700 outras partidas de ligas que não são filiadas à Federação Gaúcha, torneios, campeonatos municipais, amistosos. Antes disso tudo, nos dois primeiros anos, também foi árbitro assistente. O chamado bandeirinha de tempos nem tão distantes.

 

Dinheiro bom

 

No que se refere à remuneração dos árbitros de futebol, Marcus Vinícius acha que o dinheiro é bom.

— Mas poderia ser melhor remunerado pela responsabilidade que a gente tem. Mas não dá para reclamar porque a Federação Gaúcha é uma das que melhor remunera em todo Brasil — diz.

O gravataiense não diz quanto ganha por jogo no qual trabalha, explica que o valor depende da categoria que vai entrar em campo, do tipo de certame que está em disputa, e que a remuneração aumenta na mesma proporção em que se aproximam os jogos finais de um campeonato como, por exemplo, o “Gauchão”.

Só para ter uma noção de quanto ganha um árbitro, Anderson Daronco – na primeira partida da final do Campeonato Gaúcho vencido pelo Novo Hamburgo diante do Internacional — e Leandro Vuaden — jogo final em Caxias do Sul — receberam R$ 7 mil, aproximadamente, cada um.

 

Mais importantes

 

Entre os jogos mais importantes que já arbitrou, Marcus Vinícius lembra que trabalhou em quatro partidas em que estiveram presentes os representantes da dupla Grenal — dois com o Inter em Campo e dois com o Grêmio.

E apitou a final da Copa Santiago, em 2012, entre Internacional de Palmeiras, e jogos como São Paulo de Rio Grande contra o Inter, na final da Super-Copa Gaúcha do ano passado. E Caxias contra o Juventude, da mesma Super-Copa, em 2015.

Marcus conta que quer apitar pelo menos até chegar aos 50 anos de idade e que espera em duas ou três temporadas ingressar no quadro de árbitros da Confederação Brasileira de Futebol, a CBF.

Para isso, entretanto, necessita estar em boas condições físicas e realizar um bom trabalho nestes dois ou três anos, que é para merecer a indicação da Comissão de Arbitragem da FGF.

— Eles (da Comissão) estão sempre analisando o trabalho dos árbitros e quando menos se espera a gente pode ser chamado para ver uma partida e avaliar o que aconteceu, o que foi feito e o que poderia ser melhor. Um bom trabalho é o “passaporte” para chegar à CBF — fala o juiz de futebol.

 

: Gravataiense (de camisa laranja) apitou Pelotas 1 a 0 sobre o São Gabriel na divisão de acesso, neste ano

 

: Marcus Vinícius, com a bola: Grenal Sub-19 do ano passado, vencido pelo Grêmio por1 a 0.

 

No camburão

 

A vida dura de um juiz nos gramados pelo estado a fora já renderam pelo menos duas situações mais, digamos, delicadas, ao árbitro de Gravataí. Certa feita, após expulsar um atleta e julgando que não haveria reação, virou de costas para o jogador enquanto fazia a anotação em sua caderneta.

O expulso aproveitou a distração e, por trás, desferiu um gancho no queixo de Marcus Vinícius. O ‘estrago’ não foi maior porque o braço do agressor parou no ante-braço do juiz, amortizando o que poderia ser um nocaute.

Na segunda vez ele teve que deixar o campo de jogo dentro de um camburão.

— Eu era o quarto árbitro no jogo entre São Paulo de Rio Grande e Passo Fundo em 2015. O time da casa precisava vencer para avançar na reta final do campeonato. O jogo estava empatado e eles marcaram aos 47 minutos do segundo tempo, só que o gol foi anulado por impedimento. Foi uma fumaceira. Eles queriam a cabeça de todo mundo que estava vestido de preto — conta, divertindo-se.

 

: Árbitro de Gravataí, Marcus Vinícius atuou na final da Copa Internacional de futebol juvenil 2012, em Santiago

 

As preocupações

 

Marcus Vinícius é o motivo direto de preocupações da mãe, Lorenir, e da esposa, Ludymilla Martins Batistela, principalmente quando as partidas exigem longas viagens de carro, considerando os riscos oferecidas pelas más condições das estradas e a irresponsabilidade de alguns motoristas.

O pai, o comerciante Gomercindo Gonçalves dos Santos, não é de ir assiduamente aos estádios para assistir ao filho trabalhar. Só se é jogo importante, decisivo, ou que envolve os chamados times grandes. Mas ele não perde nenhuma das partidas transmitidas pela televisão se Marcus estiver em campo.

 

Não é profissional

 

Quem pensa que os árbitros que trabalham, por exemplo, nos jogos do Campeonato Brasileiro, é profissional, está enganado. São todos amadores. A legislação brasileira não regulamentou, ainda, a atividade. Portanto, teoricamente são todos árbitros amadores.

A diferença está entre ser ou não ‘federado’. Ser escalado e remunerado, no caso, pela Federação Gaúcha, é o que diferencia árbitros, de árbitros! Geralmente os que atuam em campeonatos varzeanos, municipais, torneios ou amistosos são árbitros veteranos, ex-federados ou iniciantes, que trabalham apenas pelo esporte ou que têm na atividade uma forma de ‘engordar’ a renda familiar.

 

Em detalhes

 

Ah, e sobre o que fazer quando a aposentadoria vier, como ser comentarista de futebol em rádio ou televisão, é uma hipótese?

Marcus Vinicius ri.

— Claro, sempre há esta possibilidade. Por que não?

 

E o filho, Enzo, vai ser juiz de futebol?

— Não. Muito provavelmente não. Ele nem gosta muito de esporte e é mais de ficar em casa, no videogame. E já disse que quer ser Veterinário — conta o juiz e pai, lembrando que o filho tem cachorros na casa da mãe, dos avós e na casa onde mora com Marcus e Ludymilla, sua segunda esposa.

 

O cidadão Marcus Vinícius torce para qual time?

— Não tem um time do qual eu seja torcedor. Antes eu torcia para o Cerâmica Atlético Clube.

 

Gravataí tem mais representantes na Comissão de Arbitragem?

— Árbitro é apenas eu. Mas tem dois assistentes, que são o Rodrigo Vargas e o Claiton Timm. Mas já teve outros nomes importantes na arbitragem gaúcha, aqui de Gravataí.

 

Se pudesse voltar no tempo, seria árbitro?

— Esse é um vício que, depois de se adquirir, é difícil abandonar. Um fim de semana que a gente fique em casa, sem trabalhar, é um problema. A gente já fica querendo sair para apitar. Seria árbitro de novo, com certeza.

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